RIO — Na última segunda-feira, um dia após completar 90 anos, Julio Le Parc chegou ao Rio para uma extensa agenda que inclui a visita a ateliês e instituições, a abertura de uma individual na galeria Nara Roesler, anteontem, e uma mesa redonda na ArtRio com o curador Rodrigo Moura, nesta sexta-feira, às 17h50m.
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A disposição para tantos compromissos é a mesma com que o mestre argentino, radicado em Paris desde o fim da década de 1950, se lança diariamente ao trabalho, seja criando no ateliê ou cuidando de cada detalhe de suas exposições pelo mundo. Um dos pioneiros da arte cinética e da op art, em trabalhos solo ou em coletivos como o Groupe de Recherche d'Art Visuel (GRAV), Le Parc revê sua produção enquanto prepara novas exposições e diz que o que fez no passado pode servir de inspiração ou mesmo ser retomado: “Nada na minha obra está fechado em um ciclo”.
Como o senhor vê a influência de sua obra e de sua geração na arte contemporânea?
Não sei se há influência, pode ser que exista algo em obras de artistas mais jovens, o que, no meu caso, são quase a totalidade dos artistas (risos). Mas não consigo me ver restrito dentro de uma categoria, como a arte cinética. São formas artificiais de agrupar artistas. Dentro do mesmo movimento podem haver diferenças de comportamento, de atitude, do ponto de vista estético. No meu caso, era mais uma busca experimental, queria desvendar questões que o movimento resolvia.
Nos anos 1960, o senhor e outros integrantes do GRAV propunham que o espectador não fosse visto de forma passiva, mas que também tivesse um papel dentro da obra. Essa visão é corriqueira na produção contemporânea. Como vê essa contribuição?
Na época, trabalhávamos essas ideias em grupo, dentro de propostas, muitas vezes simples, de estabelecer relações do público com as obras. Era algo mais voltado às experiências, como dizíamos, do que uma pretensão de criar uma obra de arte. Muitas obras não funcionam sem o público. Se algo está em movimento, por exemplo, e ninguém participa, esse movimento vira algo vazio.
Como é sua rotina no ateliê? Trabalha todos os dias?
Sim, começo depois do café da manhã e sigo até 19h, 20h. Às vezes até 22h. Aos sábados, saio um pouco para tomar um ar (risos). Faço um pouco de tudo: cuido das exposições, trabalho em novos temas, faço croquis. Se não trabalho, fico entediado, gosto de ajustar detalhes, ter a satisfação de ver pequenas coisas darem certo.
O senhor acompanha de perto todas as montagens de suas obras?
Vou a todas que consigo, e, as que não posso, acompanho por foto ou vídeo. É importante estabelecer a relação correta das obras com o espaço, às vezes é preciso controlar a luz ou pintar paredes. Tudo o que favoreça a experiência do espectador. Muitas vezes, uma arquitetura imponente ou com muitos detalhes pode interferir nessa experiência.
O senhor prepara grandes retrospectivas para breve (em dezembro, no MET, de Nova York, e em 2019, no Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires). Mostras assim criam a oportunidade de rever sua obra?
Certamente. Devo selecionar trabalhos realizados na Argentina, antes de partir para a França, ou as primeiras experiências em Paris. Cada obra combina com outras, que podem servir como pontos de partida, de continuação ou mesmo de ampliação. Nada na minha obra está fechado em um ciclo, posso retomar os trabalhos, vê-los de outra maneira.
Mesmo à distância, o senhor acompanha o noticiário da região? Como vê a situação econômica e política da Argentina, do Brasil?
Temos problemas na Argentina que precisam de solução, mas ela não chega. São questões nacionais, mas agravadas pela pressão da economia mundial, pressões do FMI (Fundo Monetário Internacional). No Brasil vejo uma grande inquietação com a proximidade das eleições, uma situação difícil.
Os países da região poderiam ter uma maior integração artística?
Há muitos anos defendi uma proposta de intercâmbio na região, uma espécie de ateliês abertos, onde artistas pudessem se hospedar e criar. Passar 15 dias ou um mês trabalhando e fazendo contato com artistas locais. Isso ajudaria a diminuir o complexo de inferioridade da arte latino-americana em relação à Europa ou aos EUA. Houve uma imposição de Nova York como grande centro da produção mundial e tudo o que pudesse fazer sombra a essa pretensão passou a ser eliminado. Não há nenhum motivo para que alguém diga que eles são melhores.
"Julio Le Parc: Obras recentes"
Onde: Nara Roesler – Rua Redentor, 241, Ipanema (3591-0052). Quando: Seg a sex, das 10h às 19h; sáb, das 11h às 15h. Até 14/11. Quanto: Grátis. Classificação: Livre.