O senhor se reuniu com a direção da TV Cultura para discutir o imbróglio envolvendo o acervo da extinta TV Manchete, que está lá mas não pode ser usado por questões envolvendo direitos autorais, como O GLOBO noticiou no mês passado. O que foi acertado?
Solicitei ao Ministério da Cultura (MinC) um parecer jurídico que vai me permitir mexer nas 4.600 fitas que estão com a TV Cultura. Esse documento vai alegar necessidade de conservação do material e apontar o risco de perdemos parte da história audiovisual do país. Com ele, assinaremos um termo de parceria entre a Cinemateca Brasileira e a Fundação Padre Anchieta (responsável pela TV Cultura) para a revisão e digitalização do material até o fim do ano. Vamos usar os laboratórios e os técnicos de ambos os lugares e diminuir os custos. Ficaremos bem abaixo dos R$ 8 milhões orçados pela TV Cultura sozinha.
Mas e o impasse sobre o direito autoral das fitas?
Ele continua. Não há tratativas para uso. Mas, enquanto revisamos e digitalizamos as fitas, o MinC vai lutar para aprovar no Congresso a nova Lei de Direito Autoral (LDA). Quando acabarmos um, o outro certamente estará saindo. E a nova lei vai trazer artifícios que nos permitirão usufruir desse material.
Que artifícios?
O caso da TV Manchete levou a Diretoria de Direitos Intelectuais, que também participou da reunião, a acrescentar dispositivos ao projeto de lei que versa sobre o assunto. A ideia é que a nova legislação fixe regras claras para casos de falência. Quando há um contrato de cessão/transferência de direitos autorais para uma empresa, e ela entra em falência, não é justo deixar os direitos autorais amarrados na massa falida. A legislação vigente e as diversas versões do projeto de lei não falam nada sobre isso. Agora vamos inserir.
Há mais acervos em risco?
Em abril, faremos em São Paulo um seminário para mapear a memória audiovisual da TV brasileira. Queremos descobrir a situação real de outros arquivos. O da TV Tupi, que está na Cinemateca Brasileira, por exemplo, está em VHS. O da Fundação Nacional do Índio (Funai), que tem registros históricos, está em ektachrome e VHS. Ainda há o da TV dos Trabalhadores, com toda a luta sindical e popular gravada. Ele está em Betacam, em Umatic. Todos suportes cada dia mais obsoletos. Quero criar uma política concreta de preservação.
Mas conservar custa caro. Como convencer o setor?
Quem receber verba do governo deverá dar a conservação como contrapartida. Já o setor privado precisa ver que memória é um produto que pode ser muito rentável.
Quais são os outros objetivos de sua gestão?
Quero dar musculatura aos braços da secretaria. O Centro Técnico Audiovisual (CTAv) não faz concurso desde 1988 e, para continuar sendo o melhor estúdio de som da América do Sul, precisa dobrar o número de funcionários, de 40 para 80. Meu desejo é que ele coordene os 16 núcleos de produção digital do Brasil. Também quero que o CTAv tenha curadores e professores. Um técnico de som, por exemplo, não surge da noite para o dia. Quem entrou lá em 1988 está perto de sair. Precisamos replicar o conhecimento adquirido.
E quais os planos para a Cinemateca Brasileira?
Ela recebeu um grande investimento em infraestrutura nos últimos dez anos, mas, de seus cerca de 200 funcionários, uns 150 são pessoas jurídicas — fato com o qual não concordo. A Cinemateca tem como função ser um reservatório de filmes e precisa estar nas mãos de servidores para não ficar suscetível a nenhum tipo de arranjo.
O Conselho da Cinemateca sugeriu a criação de uma organização social (OS). No grupo, estão Walter Salles e Cacá Diegues.
Sou contra! Não pode ter esse papo de OS ali! Estamos falando de um interesse e de uma responsabilidade que é do estado pela Constituição.
Mas, como conseguir fazer dois concursos públicos?
A ministra Marta Suplicy tem voz no governo. Vai convencer o Ministério do Planejamento e a Casa Civil.
E o que pensa da nova lei da TV paga?
Fui derrotado. Queria que a produção nacional tivesse ao menos 200 minutos na TV por semana (a Lei 12.485 fixa 70 minutos). O Brasil tem condições de preencher isso. Há produtoras fabulosas. Quando estava na TV Brasil, pedi que comprassem toda a produção de programas infantis. Só consegui pilotos. Os produtores não davam sequência aos projetos por não terem onde exibi-los. Agora terão.