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A expansão da dança de rua

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RIO — Eles não são apenas exímios dançarinos de rua emprestando “verniz de gueto” a ícones pop e inspirando alguns dos maiores criadores da dança contemporânea. Além de acompanhar astros como Madonna, Beyoncé e Jay-Z, nomes como Les Twins, Storyboard P, Lil Buck, Bones the Machine, Tight Eyez e o brasileiro Neguin, entre outros, têm expandido sua zona de influência e ocupado territórios para além da cultura hip-hop, em galerias de arte, desfiles de moda, peças, concertos e balés.

— Algo nascido na rua pode ser levado para a arte contemporânea e vice-versa. É cada vez mais uma via de mão dupla. Os dois se ajudam, extrapolam os limites um do outro — diz Lil Buck, que já teceu parcerias com Madonna, o coreógrafo Benjamin Millepied e o violoncelista Yo-Yo Ma e participou, na semana passada, da mais recente criação do New York City Ballet.

Como os demais citados, Lil não é reconhecido apenas como um especialista na reprodução de passos e movimentos surgidos no berço da cultura hip-hop. Juntos, eles representam uma nova geração de dançarinos capazes de criar novas ramificações para estilos consagrados (breaking, popping, locking) e mesmo inventar gêneros exclusivos, como krump, bone breaking, mutation, twins style, jooking, footin, turfing, tutting, exorcism e por aí vai. Reverente a essa variedade de estilos e mesclas, o brasileiro Bruno Beltrão e o Grupo de Rua são hoje um dos maiores responsáveis por garantir às criações de rua espaço de destaque no cenário da dança contemporânea.

— De prática sem futuro as danças da rua viraram trabalho — diz ele. — Nessa mudança de uma dança social circunscrita para algo admirado pelo grande público, o break clássico ja chegou aos 40, foi para o mundo e virou commoditie. Daí em diante, milhares de gêneros foram ramificados e outros redescobertos, todos agora vistos como parte de algo mais amplo. A autoestima dessas ditas danças urbanas aumentou consideravelmente. Saímos de um momento de desconhecimento dos códigos, uma sensação de inferioridade técnica em relação a outras práticas, como o balé, para o surgimento de um universo gestual ultra sofisticado.

“De outro planeta”

Gêmeos idênticos nascidos ao norte de Paris, os franceses Larry e Laurent Bourgeois respondem pelo codinome Les Twins e são uma das principais atrações do quarto Rio Hip Hop Kemp, ou H2K, festival que começa hoje e segue até segunda — no domingo, os dois irmãos conduzem um workshop, às 15h45m, na Estação Leopoldina (veja mais detalhes no texto abaixo).

— Beyoncé se interessou porque “somos diferentes”. Foram as palavras dela — diz Laurent. — Ela diz que somos de outro planeta, e que se fôssemos apenas dançarinos ou coreógrafos ela não convidaria a gente para dividir o palco.

Em contraste com o padrão em voga — diva cortejada por um séquito lascivo —, os irmãos eram os únicos dançarinos da turnê “The Mrs. Carter show” (2013). A contracena entre a cantora e Les Twins mostrava que eles não eram dançarinos de apoio ou a serviço de Beyoncé, mas artistas com autonomia para exercer livremente suas invenções, dentro do twins style: mescla de estilos criada, segundo eles, a cada instante da música, sem decisões prévias ou aprendizagem coreográfica. Em suas apresentações, os gêmeos apostam não apenas no improviso do freestyle, mas numa espécie de “simbiose entre irmãos” que os leva a mover-se coreograficamente quase ao acaso, numa conexão “telepática, e não coreográfica”, como define Laurent. Tais lampejos sincrônicos podem ser observados numa performance da semifinal do Juste Debout 2011, que soma mais de cinco milhões de acessos no YouTube, ou na vitória deles no World of Dance 2010, com 22 milhões de visualizações.

— Eu não me considero um dançarino, nós não pensamos como eles — diz Laurent. — A gente não cria passos, não pensa em técnica. O que acontece é que cada instrumento ou batida musical merece um movimento diferente, único. Quando dançamos, prestamos atenção a cada detalhe da música e da história. Às vezes, coreógrafos criam fluxos e movimentos que não se encaixam na música. Nós criamos gestos conectados a cada batida e groove.

Apesar do prestígio, a dupla, que atuou também em “Michael Jackson: The immortal world tour”, do Cirque du Soleil, ainda participa de batalhas nas ruas ou em eventos como o H2K, como fará na segunda-feira, às 13h.

— As batalhas são tudo. Você tem que saber improvisar e ver como é se sentir assustado, ter medo de perder — diz. — A batalha é como a vida. Só assim é possível evoluir.

O Basquiat da dança

Tratado como o “Basquiat da dança” — em referência ao artista visual Jean-Michel Basquiat (1960-1988) —, Storyboard P é hoje o maior expoente da cena nova-iorquina. Criado no Brooklyn, ele criou um estilo próprio, o mutation, uma variação do flexing, marcado pela fluidez e elasticidade de movimentos de flutuação e contorcionismo. Em sua dança, gestos em câmera lenta criam um efeito de animação, e a ação assume o lugar da palavra na criação de narrativas para cada música. Assim como o Les Twins, Storyboard desvincula sua dança das determinações da cultura hip-hop e do rap enquanto gênero musical de base para suas atuações. Ele dança ao som de Beatles, Marvin Gaye ou nomes da música eletrônica, como Flume e Flying Lotus. Mas suas raízes ainda rendem frutos, e no ano passado ele criou uma performance inspirada no disco “Magna Carta... Holy grail”, de Jay-Z, que o convidou a participar de “Picasso baby”, performance realizada pelo rapper na Pace Gallery.

— Meu estilo é um “mashup” de formas livres de movimento com elementos de animação — diz ele. — Já fui o “rei do flexing”, mas criei uma forma, o mutation. É diferente porque o ato não é o de recriar algo, mas de criar na hora, aliando uma narrativa visual e emocional. É uma dança introspectiva, e que me revela, porque a dança é uma forma de comunicação sem palavras. Palavras colorem a textura, a forma, prefiro que tudo seja imaginado na fantasia, por cada espectador.

Se programe:

Até segunda-feira, a Estação Leopoldina e o Centro de Movimento Deborah Colker, na Glória, recebem o quarto Rio Hip Hop Kemp, que se inicia hoje com uma série de workshops, a partir das 11h — a programação está no rioh2k.com.br. Com direção de Miguel Colker e Bruno Bastos, o H2K traz à cidade alguns dos melhores dançarinos e coreógrafos de dança urbana. Em oficinas, shows e batalhas, além do Les Twins estará presente outro importante dançarino francês, Fabrice, atual campeão do festival Juste Debout, um dos mais importantes do mundo. Shaun Evaristo, dançarino de Justin Bieber, Jillian Meyers (de Janet Jackson e Jennifer Lopez), Danielle Polanco (de Lady Gaga e Usher), e os japoneses Yoshie Koda e Tatsuo Yamamoto são outros destaques da programação.


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