RIO - Papel picado, noise, batuques e serpentina: ingredientes do Carnaval indie que o grupo canadense Arcade Fire armou na noite de sexta-feira, no Citibank Hall, para cerca de três mil animados espectadores. Se era por falta de meios ou fundos para ir a São Paulo (onde a banda se apresenta no domingo, no festival Lollapalooza) ou por não acreditar que eles fossem render tanto num show em meio a tantas outras atrações, quem optou pela alternativa carioca saiu bem satisfeito. A agremiação de 12 cabeças (entre integrantes fixos, que se revezavam em vários instrumentos e os músicos de apoio dos sopros, violinos e percussão) passou pelo palco com disposição de bloco de rua e deixou no chinelo a sua performance anterior na cidade, em 2005, num Tim Festival, quando ainda tinha apenas o álbum de estreia, “Funeral”, de 2004.
A participação luxuosa da dupla niteroiense de DJs The Twelves e, em seguida, o som ambiente com muito afrobeat de Fela Kuti prepararam os ânimos para a entrada da banda – ou melhor, a invasão dos músicos, de forma teatral, no palco por volta das 22h30m. Com cenas do filme “Orfeu Negro”, de Marcel Camus (rodado no Rio de Janeiro nos anos 1950), rolando no telão, eles atacaram de “Reflektor”, a suingada e climática faixa de abertura do seu quarto álbum, de mesmo nome, lançado em outubro de 2013. O vocalista, guitarrista, pianista (e eventualmente baixista) Win Butler comandava a massa com desenvoltura, fazendo par com a doce vocalista e tecladista (eventualmente até baterista) Régine Chassagne. Um casal 20 do rock, em ação.
Atendendo à convocação da banda, o público compareceu fantasiado, de serpentina na mão, a fim de carnaval. E quem esperava fragilidade, fofura ou hesitação indie voltou para casa sem – o Arcade Fire hoje é uma banda com experiência e musculatura. Num show sem furos de roteiro, com trocas de instrumentos mais rápidas que as paradas dos boxes de pilotos de Fórmula Um, inteligência musical e cênica (que fez o show de 2005 parecer o de uma banda de sarau) e um bocado de boas canções para fazer a alt-folia, o grupo proporcionou um espetáculo memorável.
A festa seguiu com mais uma do disco “Reflektor”, “Flashbulb eyes” (com um tanto de dub e alguma psicodelia), e mais do que rapidamente desviou para uma de “Funeral”, a tensa e agitada “Neighborhood # 3 (power out)”, recebida com urros de aprovação pelo público. “Rebellion (lies)” (também do primeiro disco) e “We used to wait” (do terceiro, “The suburbs”, de 2010) mantiveram o povo cantando. E aí chegou a hora de Win Butler saudar os cariocas, dizendo-se feliz por estar de volta a uma de suas cidades favoritas no mundo. “Essa canção é sobre o que o Brasil vai parecer depois da Copa do Mundo”, anunciou ele então, antes de enveredar, ao piano, por “The suburbs”, faixa-título do terceiro álbum do Arcade Fire.
Com um rock descomplicado, mas com refrãos fortíssimos, o grupo seguiu mantendo a emoção em alta, com “Ready to start” (de “The suburbs”), “Neighboors # 1 (tunnels)” (de “Funeral”) e “No cars go” (do segundão “Neon bible”, de 2007). Aos poucos, a energia roqueira, de canções firmes e sonoridade aberta, foi dando lugar à sensualidade funk e um tanto sombria de “Reflektor”, nas músicas “Afterlife” e “It’s never over (hey Orpheus)”, que foi belamente introduzida por Régine com trecho de “O morro não tem vez”, de Tom e Vinicius.
Quando o clima foi quebrado pelo eloquente e sentimental synthpop de “Sprawl II (mountains behind mountains)” (de “The suburbs”), dava para sentir que o show se encaminhava para a sua parte final. Régine fez sua menção de despedida dançando com as serpentinas fosforescentes, numa cena de cinema. Os músicos, de fato deixaram o palco após a canção e, alguns instantes depois, os assistentes de palco voltaram com máscaras em forma de cabeças gigantes (uma marca do Arcade Fire de “Reflektor”, assim como a série de espelhos no palco) dublando “Nine out of ten”, de Caetano Veloso, até serem expulsos do palco por Win Butler.
Em meio à expectativa pelo bis, o guitarrista Tim Kingsbury ainda fez uma graça, tocando o riff de “Sweet child o’mine” dos Guns N’Roses (“Senhoras e senhores, Slash!”, anunciou Win, em outro gracejo), mas o Arcade Fire foi mesmo de duas faixas de “Reflektor”: “Normal person” e “Here comes the night time”, que organizou o movimento e orientou o carnaval, que explodiu em batuques e papel picado. Só que o show não terminou aí, no caos, mas num momento solene, com uma versão acústica, bonita de “Wake up”, grande e espiritual música do primeiro disco, cheia de coros, de poesia e de bons sentimentos. Foi a prova definitiva de que o Arcade Fire ainda é uma daquelas bandas pelas quais ainda vale a pena sair de casa para ver.
Cotação: ótimo