RIO — Enquanto esperam por um final feliz para a crise financeira que levou o Grupo Estação de cinemas a acumular dívidas de R$ 31 milhões, seus diretores correm atrás de uma solução para a coleção de filmes em película da empresa. Formado ao longo de 24 anos e composto por cópias remanescentes do catálogo da distribuidora do grupo (a Filmes do Estação, extinta em 2009) e doações de colecionadores e distribuidores independentes, o acervo, com 524 títulos, segue guardado de modo improvisado num velho galpão de 400 m2 no Santo Cristo, sem qualquer dispositivo de proteção e conservação recomendado para esse tipo de material.
A coleção inclui raridades nacionais, como uma cópia em 16mm de “O bandido da luz vermelha” (1968), clássico do cinema marginal dirigido por Rogério Sganzerla (1946-2004), ainda no envelope de devolução, e estrangeiras, como “Roma, cidade aberta” (1945), de Roberto Rossellini (1906-1976), uma das obras fundamentais do neorrealismo italiano. Acomodados em embalagens de ferro ou de plástico, identificados e empilhados em prateleiras altas, os filmes dividem espaço com caixas de som e velhos projetores e cadeiras de cinema, sobras das muitas reformas pelas quais as 16 salas do grupo já passaram.
Presidente e programador do Estação, o empresário Marcelo França Mendes lembra que o acervo não faz parte dos ativos da empresa, estando, portanto, fora do alcance de credores. Mas a crise financeira vem impedindo a conservação do material.
— Neste momento, a ideia da preservação se faz mais premente. Estamos procurando alguma instituição, de preferência carioca, que tenha condições de armazenar adequadamente todos esses filmes.
Criada em 1989, a Filmes do Estação começou a comprar direitos de produções cinematográficas no ano seguinte. Na época, era prática comum entre as distribuidoras destruir cópias em película assim que terminasse o período de validade dos direitos de exibição. Mas, em se tratando de uma distribuidora dirigida por amantes de cinema, a tarefa era quase uma heresia.
— Em geral, a gente fazia três cópias de cada filme. Devíamos destruir todas, mas não tínhamos coragem de fazer isso com títulos como “A enguia” (1997, de Shôhei Imamura), que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, ou “Eduardo II” (1991), de Derek Jarman (1942-1994), um dos grandes autores britânicos. Seria como cuspir num santo — compara França Mendes.
Reforço de coleções privadas
Ao longo dos anos, o arquivo do Estação ganhou reforços de coleções particulares, como a do cineasta e distribuidor francês Jean-Gabriel Albicocco (1936-2001). Um dos principais promotores do cinema europeu no Brasil, ele cedeu cerca de 50 cópias, entre elas as produções cubanas “La bella del Alhambra” (1989), de Enrique Pineda Barnet, e “Memórias do subdesenvolvimento” (1968), de Tomáz Gutiérrez Alea (1928-1996). O grupo também recebeu doações do produtor Ney Sroulevich, criador do Festival Internacional de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro, o Fest-Rio, que cedeu filmes como “Terra prometida” (1975), do polonês Andrzej Wajda. No galpão onde estão os filmes, porém, o odor avinagrado já denuncia a decomposição de material.
— Conversamos com o Instituto Moreira Salles, que se interessou pela coleção, mas não teria como acomodá-la. Consultei também a Secretaria Estadual de Cultura a respeito do novo Museu da Imagem e do Som, mas eles não têm previsão de abrigar um arquivo desse tipo — conta o empresário, que sugeriu, no Facebook, que os filmes da coleção fossem “adotados” por cinéfilos, por uma quantia simbólica, ajudando a custear sua preservação em um arquivo ou cinemateca.