RIO — Existe uma veia cultural correndo a todo vapor pelos 13 municípios da Baixada Fluminense. Ela é intensa e multifacetada, mas, de acordo com moradores, é também invisível, porque dificilmente ganha evidência fora dos limites da área. Um passo importante está sendo dado, neste momento, em direção a uma mudança nesse quadro. Até o fim de abril, será divulgado um mapa cultural da Baixada.
O documento vai identificar, de Itaguaí a Magé, manifestações artísticas formadas ou voltadas para jovens. Até agora, mais de 280 nomes já foram listados. São grupos de música, dança, teatro, circo, capoeira e poesia, além de cineclubes e coletivos independentes.
Quem organiza o levantamento é o Observatório Baixada. O projeto pertence ao programa Brasil Próximo, uma iniciativa dos governos brasileiro e italiano. O mapeamento não é só um ato de afirmação, mas também pretende orientar políticas públicas voltadas para o fomento cultural da região. A falta de investimento é o motivo que leva Cesar Marques, um dos coordenadores do projeto, a classificar os grupos como “criativos”, e não “culturais”.
— Eles precisam ser criativos e pensar como operar na Baixada com poucos recursos. Queremos entender como criar metodologias e mobilizar as pessoas. A partir daí, é possível fazer políticas públicas — explica Marques. — Há grupos que se organizam em ONGs, igrejas ou até mesmo dentro de casa. A intenção da pesquisa é entender como se faz cultura na Baixada.
Boa parte dos grupos oferece oficinas de graça. Um deles é o Circo Baixada de Queimados, criado em 2002. Formada por quase 30 profissionais, a ONG se apresenta em uma lona e também organiza cursos para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Segundo a superintendente da ação, Nilcilene Moreira, o projeto, atualmente com capacidade para atender até 250 pessoas, depende de patrocínios. Não é um trabalho fácil, mas os resultados obtidos ao longo de 12 anos são motivo de comemoração:
— Temos exemplos de adolescentes que viviam na rua se prostituindo. Hoje, são educadoras do circo. Algumas já se apresentaram em outros países.
Espalhadas pela Baixada, diversas outras oficinas, porém, não têm o mesmo histórico de sucesso. Marques explica que muitas não têm perspectiva de mercado (“Alguns movimentos são baseados em relações afetivas e de amizade”, diz). Além disso, elas não necessariamente oferecem a profissionalização necessária para a inclusão no campo da cultura.
Outros grupos culturais (ou criativos) são movidos a tradição e crença. É o caso da Folia de Reis Estrela do Oriente de Guapimirim. Há 28 anos, nos meses de dezembro e janeiro, o festejo percorre ruas e casas do município, entre orações e passagens bíblicas. Tudo ao som de sanfonas, triângulo e reco-reco. Quem comanda a folia é João Batista, que banca as solenidades.
— Nós manifestamos a cultura do estado — diz Batista, que mantém a tradição com quase 30 pessoas. — Por muitos anos esperamos receber o reconhecimento das autoridades. Espero que os outros grupos não desanimem.
Versões impressa e on-line
É isso que Marques espera com a publicação do mapa cultural da Baixada Fluminense. Além de uma versão impressa, o documento ficará disponível em um site, que terá um caráter colaborativo: novos grupos poderão se inscrever após a sua divulgação, permitindo o enriquecimento contínuo do mapa. Com isso, a expectativa do coordenador do Observatório Baixada é provar que lá existe mais “querência do que carência”.
— A Baixada tem um enorme potencial, mas é invisível porque não consegue mobilizar instrumentos de mídia para organizar sua agenda cultural — diz. — Queremos também chamar atenção para a necessidade de o jovem se expressar através do teatro e da música, por exemplo.
Música é a especialidade de Allan de Souza, mais conhecido como Pevirguladez. Desde 2003, o rapper e produtor cultural organiza eventos e debates sobre hip-hop em Duque de Caxias, com shows e batalhas de MCs.
— Entendo que a Baixada, hoje, é um poço de segmentos radiofônicos. Mas quando os jovens procuram entretenimento, têm duas ou três opções de estilo para interagir e conhecer, como samba e funk. Percebemos que há a necessidade de inserção — pondera o rapper, que também é professor de português. — O hip-hop tem a cultura de mostrar um universo maior ao jovem.