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A melancolia e a promessa de alegria que se revelam na Quarta-feira de Cinzas do Los Hermanos

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RIO - A frase musical triste soprada pelo instrumento solitário abre a faixa. A banda entra em seguida, engrossando o som, sem lhe tirar a melancolia. A voz de Marcelo Camelo começa a soltar os versos em sintonia com o arranjo e a melodia: “Todo dia um ninguém José acorda já deitado/ Todo dia ainda de pé o Zé dorme acordado/ Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia”.

A canção “Todo carnaval tem seu fim” abria o segundo CD do Los Hermanos, “Bloco do eu sozinho”. O disco — que marcou uma mudança nos rumos da banda em termos de ambição estética e começou a firmar Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante como compositores de ponta de sua geração — tinha na faixa uma representante clara desse caminho. Não por acaso, “Todo carnaval tem seu fim” foi o título provisório do álbum.

A música apresentava não só os novos interesses sonoros dos Hermanos — depois do álbum de estreia, no qual a tristeza e a frustração amorosa vinham sob uma capa de euforia adolescente (“Anna Júlia” é um exemplo disso). Ela também trazia um universo mais introspectivo, (novamente) melancólico, que viria a marcar a produção do grupo e, mais tarde, a carreira solo de Camelo e Amarante — mesmo que não de forma determinante, essa referência e inegável.

O próprio Camelo descrevia o álbum — na época do seu lançamento, em 2001, como “um disco que tem a ver com o fim do carnaval, com a Quarta-Feira de Cinzas, a solidão do bate-bola, as marchinhas”. Mas notava: “Realmente é melancólico, mas todas as músicas deixam uma coisa de esperança no final".

Em entrevista ao site Scream & Yell, também em 2001, o compositor fez novamente a ressalva sobre o reverso da tristeza que a música traz. E reafirmou a relação da canção com a ideia geral do álbum: “A letra é muito bacana. É uma mensagem de todo o disco. Acho que o refrão desse disco é o cerne de tudo: ‘Deixa eu brincar de ser feliz/ Deixa eu pintar o meu nariz’. Resume todo o disco essa frase. Tem muito do nosso romantismo aqui”.

O universo do carnaval já vinha sendo usado pela banda desde o início. O primeiro disco, de 1999, traz na capa uma máscara de bate-bola e uma canção que explora essa mitologia, “Pierrot” (“O pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina/ E é a sua sina chorar na ilusão em vão, em vão”).

Mas “Todo carnaval tem seu fim" (“Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco/ Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco”) aprofunda essa relação. E, em seus versos, traz questões sobre a relação entre o novo e a tradição na música brasileira (“Mas o dia insiste em nascer/ Pra ver deitar o novo” ou “Toda bossa é nova e você/ Não liga se é usada”) que ecoa não só no disco como em toda uma geração de artistas que vieram depois e foram influenciados por ele.


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