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Do luto à luta em ‘A toca do coelho’

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RIO - Um casal perde o filho de 4 anos num acidente estúpido: o garoto é atropelado incidentalmente por um jovem de 17 quando corria atrás de seu cachorro. As consequências dessa perda imensa para a família, o modo como cada um lida com o luto e luta contra o brusco vazio em suas vidas são o fio condutor de “A toca do coelho”, peça do americano David Lindsay-Abaire que chega ao Rio nesta semana, após uma bem-sucedida temporada em São Paulo — prevista para ficar três meses em cartaz, acabou ficando cinco. Encenado pela primeira vez no Brasil, o espetáculo estreia na próxima sexta-feira, às 21h, na Sala Fernanda Montenegro do Teatro do Leblon. No palco, os atores Reynaldo Gianecchini e Maria Fernanda Cândido interpretam o casal Paulo e Beca. Quando o espetáculo começa, já se passaram oito meses da morte da criança, e cada um busca seu próprio caminho para superá-la — enquanto Beca tenta apagar qualquer traço, na casa, que remeta ao filho, é nas lembranças da criança que Paulo busca conforto para seguir adiante.

O tema é grave, mas a peça está longe de ser pesada, promete Dan Stulbach, que faz sua estreia na direção profissional com esta montagem:

— Para mim, estamos usando a falta para, a partir dela, falar da vida. É perfeito que exista a perda para se poder falar de maternidade, de paternidade. A peça não é nada triste, ela tem humor. As pessoas passam 95% do tempo rindo, e é bom que seja assim, é um espaço para extravasar.

O humor foi uma das qualidades destacadas na crítica do “New York Times” quando a peça, recém-escrita, estreou na Broadway, em 2006. O crítico Ben Brantley citou ainda a honestidade e a precisão como ferramentas do autor para não deixar o texto descambar para o melodramático. A montagem ganhou vários prêmios, entre eles o Pulitzer de dramaturgia e o Tony de melhor atriz para Cynthia Nixon (a Miranda da série de TV “Sex and the city”). A obra teve também uma adaptação para o cinema dirigida por John Cameron Mitchell. No filme, exibido em 2010 no Brasil, com o nome de “Reencontrando a felicidade”, Nicole Kidman e Aaron Eckhart viviam o casal às voltas com o vazio inesperado.

“Por que comigo?”

Aqui, Gianecchini e Maria Fernanda buscaram caminhos próprios para compor seus personagens, numa montagem, segundo o elenco e a direção, mais “arejada” do que a americana.

— A peça é sobre perda. O vazio que te dá e o que você faz com isso. Fui buscar essa dor. E me coloquei muito no lugar do pai que perde o filho — diz Gianecchini.

— Não procurei o específico, mas trabalhei a partir de uma pergunta da personagem, que me chamou atenção: “Eu, que fiz tudo certinho, que fui correta, por que comigo?” — conta Maria Fernanda. — A partir daí, busquei essa moção do imponderável, daquilo a que nós todos estamos sujeitos.

Além deles, estão em cena também Simone Zucatto, como Isa, a irmã mais nova e inconsequente de Beca, cuja gravidez, revelada cautelosamente à irmã enlutada, é mais um elemento para compor a intrincada teia de relações familiares; Selma Egrei, no papel de Nat, mãe das duas, e que também convive com a dor de ter perdido um filho; e ainda Felipe Hintze, que vive Jason, o jovem remoído pela culpa e que acaba sendo uma espécie de pilar no qual Beca se apoia.

Stulbach aproveitou a dramaturgia “seca” do autor — “o que realmente importa não está sendo dito, está no subtexto” — para buscar algo mais interiorizado. É no confronto gerado pelas diferenças, e pelas escolhas de cada um, que vai se construindo o espetáculo.

— A gente não queria pessoas lamentosas. Queria gente que andasse para a frente. Não queremos que ninguém tenha pena desses personagens — diz Stulbach, que prevê que aconteça na temporada carioca o mesmo que em São Paulo. — Quando acabava a peça, metade do público fazia uma fila para contar sua história aos atores. E a outra metade ia para casa correndo abraçar os filhos. É bonito que o teatro tenha esse poder de comover as pessoas.


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