RIO - Sexo. Não é sensualidade, intimidade ou erotismo - não há palavra melhor que a crua "sexo" para definir o conceito de "#AC", show de Ana Carolina que estreou no Citibank Hall na sexta-feira (o show se repete no sábado), depois de passar por São Paulo. Nas letras, no apelo dançante direto, no canto forte e de poucas nuances da artista, em boa parte das projeções que ocupam todo o fundo do palco, a ideia que guia o show é o sexo - mesmo quando não há referências a ele em imagens e versos.
Já na abertura, a banda imprime essa apelo sem meias palavras. Pedro Baby (guitarra), Edu Krieger (baixo), Carlos Trilha (teclados), Leo Reis (bateria e percussão) e DJ Mikael Mutti (percussão eletrônica, scratches e efeitos) fazem juntos um som dançante e vigoroso, com peso e calor. Como no disco "#AC", a atmosfera eletrônica dá o tom, bem transposta para o palco, ganhando alguns níveis de pressão. Visualmente, chamam atenção especialmente os brinquedinhos de Mutti (como o controle do videogame Wii que ele usa para batucar o ar) e a postura de guitar hero de Pedro Baby - cada um numa extremidade do palco.
Essa configuração do som - que atravessa o show quase em sua totalidade - é apresentada mesmo antes da entrada de Ana, quando a banda prepara sua chegada. Sob os acordes de "Pole dance" e com gigantescas imagens de peitos, bundas, bocas e quadris de strippers no telão, ela aparece para cantar versos como "Acerta todo o cabaré, homem e mulher/ É muito mais do que bilíngue/ Faz com a língua o que quiser". A primeira sequência do show mantém a temperatura alta, com músicas como "Bang bang", "Esperta", "Libido" (o clipe da música, no qual a cantora aparece beijando e acariciando diversos homens e mulheres, é exibido ao fundo) e "Eu comi a Madonna" ("Me esquenta com o vapor da boca e a fenda mela"). O espaço de respiração é "Fire", de Bruce Springsteen.
A lógica sexual crua - desejo-estímulo-desejo - rege sua música, sua relação com a plateia e seu canto (inegavelmente poderoso, mas que ataca músicas como a doce "Eu sei que vou te amar", já no bis, e a rasgada "Garganta" se utilizando dos mesmos recursos, ou seja, a potência, o sentimentalismo derramado tratado como tesão e vice-versa). Da mesma forma, são tão eficientes quanto diretos versos como "Por isso é que você me quer/ Então vai ter que me encarar" ou "A libido está em toda parte". Mesmo suas baladas - talvez elas mais até que as outras - carregam essa vocação ganchuda.
Apesar de ser cortado por essa lógica básica, o show tem dinâmica. Num espetáculo no qual o apelo dançante/ pop é mais marcado (sucessos antigos são transpostos para essa roupagem), a direção de Monique Gardenberg explora bem os momentos em que outras cores aparecem, como nas canções românticas ou na releitura de "Coração selvagem", de Belchior, ponto alto do show, com a plateia aplaudindo de pé - a voz grave e o estilo forte de Ana combinam à perfeição com o compositor, e fazem pensar em como seria um projeto no qual ela se dedicasse exclusivamente a ele.
A sequência de samba - aberta por um quarteto de pandeiros formado pela cantora e músicos de sua banda, com referências ao tamborzão do funk - é a que melhor ilustra essa dinâmica. Ali se abre espaço para a malícia mais sutil - em ritmo, canto e versos - em canções como a boa "Resposta da Rita" e a razoável "iPhone" - que dialogam com os clássicos "A Rita" e "Pelo telefone", respectivamente. Nessa parte do show estão também os melhores momentos do telão, com o movimento de ombros, quadris e joelhos de mulheres sambando expondo um outra relação com o apelo sexual, mais sinuosa e rica.
O mergulho no universo popularíssimo no mashup de "Periguete" (MC Papo) e "Você não vale nada" (de Dorgival Dantas, sucesso com Calcinha Preta) não soa tão sofisticado - por ignorar que Ana já é, naturalmente, interlocutora dessa fatia da música brasileira e também por explorar um recurso gasto (a releitura de hits do povão numa atmosfera cool) sem adicionar nenhum dado original.
Com temperos que vão do samba-reggae à Jovem Guarda, passando pelo tango, a boa banda valoriza o repertório - apesar de canções como "Combustível", pastiche sem sangue do universo brega dos anos 1970 (uma descrição que se adequa à parte mais frágil do trabalho de Ana como um todo, aliás). O balanço? Depende das expectativas de quem está na plateia. Visualmente e sonoramente, o show satisfaz e mantém o interesse e certo prazer do início ao fim. Mas deixa a desejar para quem busca doses maiores de ousadia estética e sutileza - lastro poético, enfim. Sexo até vistoso, mas com pouco erotismo.
Cotação: Regular
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Crítica: O jogo de sedução sem meias palavras de Ana Carolina
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