RIO — A diretora (e atriz) Emmanuelle Bercot, 46 anos, brinca com a imagem de Catherine Deneuve em “Ela vai”. No filme, em cartaz no Rio, a eterna “bela da tarde”, hoje com 70 anos, é uma ex-miss que, após uma desilusão amorosa, cai na estrada em busca de si mesma.
O quanto de sua decisão de se tornar atriz foi inspirado pela carreira de Catherine Deneuve?
Ela é, com certeza, a atriz que mais marcou minha infância e adolescência. A princípio, provavelmente, por sua beleza impressionante. Mas também pelo mistério que ela carrega, que me intrigou. Seus papéis imprimiram a imagem da mulher ideal, da feminilidade absoluta, a da atriz por excelência; Catherine foi a mãe, a irmã, a amiga que eu sonhava ter. Ela é parte da minha vida e, claro, da imagem que tenho do que é ser mulher e atriz.
Foi difícil convencer Deneuve a atuar em um projeto de uma diretora com apenas três longas no currículo?
Catherine trabalha muito, mas tem a liberdade para fazer o que quer, porque não tem mais nada a provar. Sua curiosidade a leva ao encontro de projetos capazes de surpreendê-la. Catherine foi sensível ao fato de que escrevi o filme para ela, sabia que eu não iria fazê-lo com outra atriz. Ela adorou a história de uma mulher que larga tudo e sai pela estrada como uma adolescente para, no fim do percurso, dominar seu tempo e se abrir a aventuras. Catherine também ficou muito animada com a ideia de trabalhar com atores não profissionais. Foi um encontro bom: eu queria trabalhar com ela, e ela, que já tinha visto alguns dos meus filmes, comigo. Disse sim imediatamente.
Bettie, a protagonista, tem algo de Deneuve ou de como a senhora a vê?
Catherine está longe de Bettie em muitos aspectos, mas a personagem foi inspirada em coisas que descobri no meu encontro com ela, como sua vivacidade, seu humor e, acima de tudo, sua grande alegria de viver. Isso tudo enriqueceu o personagem Bettie. Catherine também me inspirou a escrever um filme otimista, alegre e solar. Isso me permitiu filmar Catherine mais próximo de como ela é na vida real.
Em um dos momentos mais divertidos do filme, Bettie se deixa seduzir por um jovem em um bar e acaba na cama com ele. Houve alguma hesitação da parte de Deneuve por precisar expor o corpo?
De modo algum. Catherine é um mulher inteligente, sabia muito bem o que eu esperava dela, ou seja, mostrar o mais próximo possível do que ela é na vida real. Também ficou claro que o filme iria brincar com a sua imagem, e Catherine entrou no jogo porque entendeu a diferença entre a imagem dela e as situações do filme, que criariam comicidade. Não houve, portanto, nenhuma relutância da sua parte. Catherine tem muito humor e forte senso de ironia.
A senhora projetou seus medos na sessentona Bettie?
Com certeza! Embora ainda esteja longe dos meus 60 anos, já tive vontade de largar tudo e fugir. Mas isso nunca aconteceu! Graças a este filme, fui capaz de realizar essa fantasia. Sempre tive medo da velhice porque, depois de uma certa idade, tudo para para uma mulher. Fiz um filme que diz que tudo é possível, em qualquer idade. É uma ode à feminilidade, e um modo de me tranquilizar um pouco com esse tema.
Seus filmes anteriores falam de jovens problemáticos. Qual a relação com uma senhora de 60 anos em crise?
Para mim, Bettie é uma personagem adolescente. Às vezes, ela é fantasiosa, imatura, egoísta, o que a coloca muito próxima do comportamento do jovem. Catherine também tem algo de muito infantil e juvenil; quis filmá-la não como uma senhora de 60 anos, mas como se tivesse 15. A filha de Bettie, com quem ela tem um relacionamento difícil, e o neto, também são próximos dos personagens jovens e rebeldes de meus filmes anteriores.
Bettie representa a velha França que se encontra consigo mesma?
Mostro o que chamamos de “França profunda”, pouco vista no cinema. Na primeira parte do filme, Bettie não sabe para onde vai. A partir daí, a viagem dela ganha um propósito: pegar o neto e levá-lo até o avô. Depois de conhecer tantos estranhos na estrada, ela vai ao encontro de sua família. É uma história diferente dos outros filmes de estrada. Mas você está certo, podemos dizer que Bettie vai ao encontro de uma parte da antiga França. Mas a ideia também era mergulhar a estrela, a lendária atriz, o ícone francês Catherine Deneuve nessa França profunda, para extrair algo desse contraste.