RIO - Um chiclete ou uma guimba abandonados na calçada podem ser reveladores. Excessivamente reveladores. É o que mostra a série “Stranger visions”, da americana Heather Dewey-Hagborg: a partir da saliva, um resíduo de pele, um pedaço de unha ou um fio de cabelo, ela é capaz de reconstruir o rosto de uma pessoa.
Mestre em artes eletrônicas pelo Instituto Politécnico de Rensselaer, no estado de Nova York, a autodenominada “artista da informação” criou um programa de computador para decodificar o DNA de transeuntes que deixam suas pegadas em locais públicos. Parece ficção científica.
— Esse nome, “artista da informação”, faz referência ao livro do Stephen Wilson sobre a mudança do milênio, “Information Arts: Intersections of Art, Science, and Technology”, de 2003. A ideia principal é que se trata de uma prática “pós-suporte”, ou seja, meu trabalho pode ganhar forma em qualquer meio físico. O que conecta esses diversos projetos é a visão conceitual da informação como suporte original — explica a artista, por e-mail.
De tão sofisticado, o software reconstrói detalhes como gênero, cor da pele, cor dos olhos e traços faciais. O programa não consegue, no entanto, definir a idade, e por isso Heather recria todos os rostos — que ganham forma de escultura, em escala natural, a partir de uma impressora 3D — imaginando homens e mulheres na faixa dos 25 anos de idade.
É evidente que esse híbrido de ciência e tecnologia tropeça em questões legais: o rosto de qualquer um que passou pelo Brooklyn recentemente pode estar exposto na Galeria QF, em Long Island, Nova York, a partir de 29 de junho, dia em que a exposição de Heather será inaugurada.
Interessante? Desconcertante?
— A maioria das pessoas que viram teve uma reação positiva, embora alguns tenham ficado assustados. Mas, não, ninguém me processou — diz ela.
Para os paranoicos é um prato cheio: deixamos rastros o tempo todo, estamos sob vigilância constante. Um espirro já basta para apreender, com precisão, muitos dos nossos dados pessoais.
* Alice Sant’Anna escreve na página Transcultura, publicada às sextas-feiras no Segundo Caderno