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De Leve prepara a volta

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RIO - Nos últimos meses, quem pegou o táxi dirigido pelo estudante de pedagogia da UFF Ramon Moreno não deve ter imaginado que estava sendo levado por um dos mais emblemáticos rappers nacionais desse milênio. Com seu inconfundível estilo “largado”, de humor ácido e corrosivo, o caminho de De Leve do microfone ao volante foi tortuoso.

Cofundador do subversivo coletivo Quinto Andar (junto com os MCs Marechal, Shawlin, DJ Castro e outros nomes do rap alternativo do Rio), De Leve destacou-se na carreira solo. Em 2000, quando muita gente ainda questionava o valor de se distribuir música de graça on-line, o pioneiro uso da rede para distribuição de MP3 fez do seu EP “Introduzindo De Leve” um dos discos mais conhecidos da cena. A estreia oficial com “O estilo foda-se” levou o rapper a figurar em diversas reportagens, incluindo uma capa do Segundo Caderno, em 2003.

Após finalmente lançar “Piratão”, aguardado disco do Quinto Andar (seguido do término do grupo) e logo depois seu “Manifesto ½ 171”, em 2006, aos 25 anos, a carreira era ascendente e os shows, uma constantes. Foi após o terceiro disco, “De Love”, em 2009, que tudo desacelerou e De Leve sumiu do radar. Ou melhor dizendo, se retirou.

— Meu filho, Juan, foi diagnosticado com autismo, e tratá-lo tornou-se nossa prioridade — conta Ramon, o De Leve. — Conseguimos alguns tratamentos e, apesar de hoje existir uma lei que impede negar vaga para autistas, falta estrutura na rede do Estado e é necessário um mediador pago pelos pais, o que é caro.

Juan é um menino de sorte. Muitos pais demoram ou simplesmente negam-se a perceber a questão tão cedo. Encarar o problema de frente de forma tão precoce ajuda muito. Somado ao diagnóstico do filho, o assassinato do rapper Speed (conhecido pela seminal dupla formada com Black Alien e também parceiro de De Leve), em 2010, lançaram Ramon numa depressão.

— O Speed tinha acabado de morrer, e menos de um mês depois soubemos do quadro do Juan. A falta de vontade de fazer as coisas, incluindo a música, foi inegável. Não fossem os amigos, não sei não....

Entre dirigir o táxi e trabalhar numa produtora de vídeo, De Leve trocou Niterói pelo Méier. Longe do lugar com o qual tem mais identificação, sumiu. Agora, com a situação mais ajustada, ele se prepara para voltar.

— É complicado explicar como é estar em depressão, ainda mais pelo motivo ter sido o diagnóstico do meu filho. Na fase mais punk, não estava nada fácil fazer show. Faço tudo sozinho e não tinha saúde para aquilo. Fiz o quanto pude e o quanto vieram me procurar.

A volta à música é antes de tudo uma volta à rotina de shows. Depois de tanto tempo sem tocar, De Leve se perguntava se as pessoas ainda queriam vê-lo e questionava as decisões de sua carreira. “Neuroses normais”, ele diz.

— Não me tratei como deveria, é um processo. Não estou recuperado, mas querendo me recuperar por completo. Não foi só a vontade de voltar ao mic, foi também muita pilha de amigos e fãs que me fizeram acreditar que o que eu fazia era relevante, e que ainda queriam ouvir o que eu tenho pra dizer.

Não há disco novo previsto, mas isso está sendo planejado. Por e-mail, De Leve mostrou dois rascunhos, um funk setentista e uma batida influenciada pelo dirty South. A ideia é misturar rap com funk.

— Demorei tanto que isso nem é mais novidade — conta. — O plano é ir lançando as músicas em levas, não em um disco fechado.

“Malhando o cérebro na academia” (a opção por pedagogia foi para poder ajudar mais o filho), De Leve diz estar distante tanto da cena de rap quanto da sua Niterói.

— Ter me mudado me deu uma perspectiva nova da cidade, ter Niterói longe foi bom, apesar de estar sempre por lá. Não me vejo morando lá hoje, mas não me atrevo mais a prever o futuro. Por conta de tudo isso, acabei me afastando da cena gradualmente. Não tenho ouvido nada de novo.

Conhecido pelo humor, sinceridade e escracho de suas rimas, fica a questão de como tantas mudanças podem afetar seu estilo. De Leve diz que não se preocupa.

— Se eu quiser fazer humor, vou fazer, porque sei fazer isso. Mas se ficar mais sério não vejo problema algum, sei ser sério e sei ser engraçado. Gosto da ironia pois ela não precisa ser engraçada, pode ser ácida e nem sempre séria.

Mesmo sem chance de volta do Quinto Andar no momento (“Acho distante nesse momento”, diz), a influência do grupo e de seus integrantes na nova geração é uma referência clara em nomes como a sensação ConeCrewDiretoria.

— Minha possível influência sobre eles talvez seja a mesma que artistas como Planet Hemp, Black Alien & Speed e Gabriel O Pensador tiveram sobre mim. Se você procurar semelhanças, provavelmente vai achá-las. Vejo que soube plantar bem a minha semente na música de alguma maneira. E isso me deixa contente.

* Bruno Natal escreve na página Transcultura, publicada às sextas-feiras no Segundo Caderno


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