RIO - Nos últimos sete dias, a Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB) perdeu e recuperou o apoio anual de R$ 8 milhões vindo da prefeitura do Rio de Janeiro. Em seus mais de 70 anos, a entidade sempre buscou um local fixo para ensaiar e se apresentar, mas nunca conseguiu. Agora, aproveitando a reaproximação selada com o prefeito Eduardo Paes na última quinta-feira, a fundação pede que a Cidade das Artes, erguida na Barra da Tijuca, se transforme na tão sonhada casa da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e da Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e Repertório (OSB O&R), os dois conjuntos que administra.
Os dirigentes culturais da cidade divergem, no entanto, sobre a solicitação da FOSB. Enquanto o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, que havia apoiado a decisão de suspender o patrocínio à orquestra, agora classifica a ida do conjunto para o espaço como algo “natural”, Emilio Kalil, o presidente da Fundação Cidade das Artes, gestora do espaço, afirma que o complexo cultural não será a “casa de ninguém”, lembrando que só a manutenção anual do equipamento custa R$ 28 milhões.
Em meio à indecisão permanecem os mais de cem músicos da OSB e da OSB O&R, que já ensaiaram em diferentes locais da cidade e que, nos últimos anos, chegaram, em alguns casos, até a se mudar para a Barra. Muitos deles acreditaram que Eduardo Paes cumpriria a promessa feita pelo ex-prefeito Cesar Maia, em 2002, de transformar a Cidade das Artes na sede da orquestra. Afinal, o espaço foi acusticamente projetado para abrigar a música sinfônica, e seu primeiro nome era Cidade da Música.
Em entrevista concedida ao GLOBO, o presidente da FOSB, Eleazar de Carvalho Filho, defendeu a ida das orquestras para a Barra, alegando que a ocupação do espaço municipal serviria para melhorar a performance dos músicos e também para captar mais recursos privados. Em sua opinião, “se não houver uma instituição permanente na Cidade das Artes, não haverá nunca vida permanente lá”.
Sá Leitão: OSB na Cidade das Artes é ‘natural’
“A Cidade das Artes vai ser o lar da Orquestra Sinfônica Brasileira”. Segundo o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, o acordo entre a Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB) e a prefeitura sairá logo.
— A princípio, a ideia não é que a OSB faça a gestão (da Cidade das Artes) nem que ocupe todos os espaços — diz Sá Leitão. — Mas a ideia é que lá seja realmente a sede da orquestra.
Segundo o secretário, na reunião com o prefeito Eduardo Paes da última quinta-feira — quando a FOSB conseguiu recuperar o apoio anual de R$ 8 milhões vindo do município —, houve um “entendimento geral, por parte de todos os envolvidos,” de que a ida da orquestra para o complexo multicultural da Barra da Tijuca fazia “parte do processo de consolidação e afirmação” do conjunto.
— É o caminho natural — afirma Sá Leitão. — Não faz sentido nenhum ter um equipamento como aquele, ter uma orquestra que o município apoia, e isso não estar junto. É importante que a Cidade das Artes seja a sede da OSB. Afinal, ela é a orquestra do Rio de Janeiro.
O secretário já enxerga ensaios, oficinas e concertos da OSB no complexo que custou mais de R$ 500 milhões e que demorou dez anos para ficar pronto. Informa ainda que a ida dos dois conjuntos sinfônicos administrados pela FOSB — a OSB e a OSB O&R — deve acontecer “muito em breve”.
— Têm sido feitas várias reuniões nesse sentido. A FOSB recentemente apresentou uma proposta (à prefeitura), dizendo o que gostaria de ter da Cidade das Artes: o número de datas, as salas. E isso está sendo analisado internamente — revelou Sá Leitão.
Na quinta-feira, para conseguir se reaproximar da prefeitura, a FOSB propôs que o município tivesse um assento fixo em seu conselho. Paes indicou Sá Leitão, que, além da secretaria, também preside a RioFilme.
— Se estamos investindo uma quantia desse vulto na OSB, acho natural que eu esteja acompanhando o que é feito, e a melhor forma de fazer isso é estar no conselho, onde tenho acesso a balanços, demonstrativos e avaliações de resultados — diz ele.
O secretário promete não intervir na programação. Diz não ser de sua alçada. Quer se ocupar com os impulsos para tornar a FOSB cada vez menos dependente do poder público.
E, para começar, ele apoiará a criação de um fundo permanente para manter as orquestras em meio a crises. O que já ocorre no exterior.
— Nos EUA e na Europa, existem fundos para os quais as pessoas fazem doações e conseguem benefícios tributários. No dia a dia, as entidades culturais não mexem no valor bruto, apenas na renda gerada por ele. Só se toca no bruto quando há crise, e existem definições claras para seu uso.
A ideia já teve adesões na Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira.
Kalil: ‘É inviável’ dedicar o espaço só à orquestra
“A Cidade das Artes não será a casa da OSB e nem de ninguém. É inviável”, diz o presidente da Fundação Cidade das Artes, Emilio Kalil, apesar de a hipótese ter sido ventilada ao longo da construção do espaço, garantida pelo ex-prefeito César Maia e nunca descartada totalmente pelo atual prefeito.
O complexo cultural será aberto no próximo dia 16, com apresentações do balé de Deborah Colker (“Tatyana”, na Grande Sala) e de uma peça com Marco Nanini (“A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento”, na Sala de Câmara), além de um recital com a pianista Tamila Salimdjanova e shows de Elza Soares e do DJ Mark Lambert. Kalil justifica sua decisão afirmando que uma orquestra como a OSB, com mais de 200 funcionários, ocuparia integralmente as dependências do espaço, o que impossibilitaria o uso das salas para outros fins e por várias produções simultaneamente.
— Se a OSB um dia viesse a habitar o prédio, teria de arcar com os custos de manutenção do espaço. Se hoje a OSB luta para garantir seu sustento, imagina como teria os R$ 28 milhões anuais precisos para manter o lugar. Só para o jardim e os lagos, são R$ 2 milhões por ano.
Até o momento, a Cidade das Artes tem garantidos R$ 14,5 milhões da prefeitura. Deste montante, cerca de R$ 2 milhões são reservados à programação artística — por conta de cortes orçamentários, o município não vai bancar o total, como previsto anteriormente. A outra metade necessária para fechar as contas terá de ser levantada por Kalil a partir de parcerias estabelecidas com empresas privadas, patrocínios, receita das produções artísticas e do aluguel das salas para eventos corporativos.
— A Fifa, por exemplo, irá alugar algumas salas, e teremos eventos diversos — diz. — Além do dinheiro da prefeitura, já consegui R$ 5 milhões com esses eventos e com programação. O musical “Rock in Rio” nos rendeu R$ 1 milhão.
Kalil precisa de R$ 8,5 milhões até dezembro.
— Não há como tornar este lugar economicamente viável sem dinheiro público e privado. Há um erro no projeto, que é a Grande Sala ter mil lugares. Deveria ter, no mínimo, 2,5 mil. É linda em sua arquitetura, mas um delírio econômico, não é uma felicidade de bilheteria.
Em maio, Kalil se reúne com “empresários da região” para buscar apoio financeiro.
— Faremos uma espécie de grupo de amigos, mas também estou atrás da Petrobras, da Vale...
Numa das fontes, a programação artística, cada produção deixa 25% da bilheteria por sessão.
— Há um mínimo de R$ 25 mil por sessão, e, quando a produção passar desse valor, adotamos os 25% como taxa — diz.
A OSB, porém, não paga este valor para os nove concertos da sua Série Cidade das Artes, que se inicia em 26 de junho e segue até dezembro.
— É diferente. A OSB é patrocinada pela prefeitura e cumpre um mínimo de sessões. Já com as atrações internacionais, os acordos variam. A Comédie-Française, que se apresenta em outubro, por exemplo, é nossa convidada.
Eleazar de Carvalho Filho, presidente da Fundação OSB: ‘Meu sonho dourado é que a OSB tenha sede na Cidade das Artes’
A Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) ainda quer a Cidade das Artes como casa?
Sim. Meu sonho dourado é que a OSB tenha sua sede lá já, o quanto antes. Achamos que é o que faz mais sentido para nós e para toda a cidade. O espaço já está pronto.
As orquestras estão preparadas para ir?
Há dois anos estamos prontos para transformar a Cidade das Artes na nossa casa. Até aumentamos os salários dos músicos, tendo em vista que a ida para a Barra da Tijuca poderia causar algum desconforto para eles. Muitos chegaram até a se mudar para o bairro acreditando nas promessas. Ou seja, há um bom tempo nossa política interna vem sendo nos preparar para que isso aconteça.
A OSB pretende gerir o complexo?
Não. Queremos ser ancorados lá. Para nós, ter esse local para ensaiar e nos apresentar nos permitiria dar um salto enorme no nosso orçamento. Economizaríamos o aluguel que pagamos hoje pelos locais de ensaio e poderíamos atrair mais empresas, reduzindo a necessidade de apoio publico. É muito ruim ensaiar numa sala que tem volume de som e acústica diferentes do local onde nos apresentamos.
Toda a fundação desembarcaria no complexo da Cidade das Artes?
Poderíamos ter um escritório administrativo lá para que os músicos não tivessem que cruzar o Rio para resolver questões burocráticas e poderíamos fazer com que as séries de concertos apresentadas na Barra tivessem uma montagem idêntica no Centro.
Como tem sido o debate com a prefeitura?
Temos tido conversas constantes com o (Emilio) Kalil. Por telefone, por e-mail e em encontros. Discutimos datas, temporada... Eu gostaria que a OSB fosse residente na Cidade das Artes não só pelas orquestras, mas também pelo próprio espaço, que pode ser aperfeiçoado com a nossa presença. Se não houver uma instituição permanente na Cidade das Artes, não haverá nunca vida permanente lá”.