RIO — Toda criança sabe bem como funciona: depois de um período na escola, com a cabeça focada em livros e provas, vêm as férias. É o que acontece com o Pequeno Nicolau, o protagonista de dois longas-metragens do cineasta Laurent Tirard. O primeiro, lançado em 2009, mostrou as aventuras do personagem com seus amigos de escola num subúrbio francês. Já o segundo, “As férias do Pequeno Nicolau”, em cartaz desde esta quinta-feira no país, leva o garoto sapeca para uma temporada na praia, um merecido descanso para quem fez um sucesso gigante no mundo, inclusive com 15 meses de exibição ininterrupta nos cinemas do Rio.
— O desempenho do primeiro filme no Brasil foi uma surpresa para mim. Imagino que o personagem não era muito conhecido no seu país antes do lançamento, e mesmo assim ele ficou um tempo enorme em cartaz. Fora da França, onde ele foi a maior bilheteria de 2009, e do Brasil, outros países que receberam muito bem a história foram Polônia, Alemanha, Itália e Rússia. Não sei explicar o que aconteceu. É muito curioso perceber como culturas diferentes podem responder bem a um mesmo filme — diz Tirard, em entrevista por telefone ao GLOBO. — Então, para esta continuação o nosso maior desafio foi não desapontar o público que gostou tanto de “O Pequeno Nicolau”.
Se no Brasil ele não era tão conhecido antes do filme de Tirard, na França o Pequeno Nicolau já era um fenômeno, uma criação de dois dos maiores artistas de quadrinhos do país: René Goscinny, também conhecido por ser o autor de “Astérix”; e Jean-Jacques Sempé, o mesmo que desenvolveu “Marcelino Pedregulho”. Publicado pela primeira vez em março de 1959, Nicolau é um menino baixinho com um senso de Justiça elevado, que valoriza o amor dos pais e a proximidade dos amigos. Sua relação afetiva com o leitor francês é semelhante à dos brasileiros com Menino Maluquinho, este criado pelo mineiro Ziraldo em 1980.
— Para mim, o Nicolau é um conto de fadas. É um personagem atemporal que trata da essência da infância e que, por isso, pode tocar qualquer pessoa em qualquer canto do mundo. Eu descobri o Nicolau quando tinha 10 anos (Tirard tem 47) e hoje vejo meus filhos lendo e se divertindo com suas histórias. Ele tem um efeito muito profundo no inconsciente das crianças — afirma o cineasta.
Em “As férias de Pequeno Nicolau”, as situações vividas pelo garoto são realmente as mesmas por que muitas pequenos passam ao redor do mundo: de férias com os pais numa praia, ele faz novos amigos, descobre uma paixão de verão e no fim precisa se despedir de todos para voltar à velha rotina.
O diretor teve que encontrar um novo ator para interpretar o protagonista, porque o Nicolau de 2009, Maxime Godart, não tem mais nada de pequeno. O papel da nova aventura ficou, portanto, com o novato Mathéo Boisselier.
— Passaram-se cinco anos, o Maxime está quase da minha altura — brinca Tirard. — É diferente de uma história como a do Harry Potter, em que o personagem vai crescendo ao longo dos livros. O Pequeno Nicolau tem que ser uma criança, é importante manter a inocência e a imaginação dele, ou então não funcionaria.
Para o futuro, Tirard, que tem no currículo tramas sobre outros heróis da ficção (“Astérix e Obélix: A serviço de sua majestade”, de 2012) e também sobre personagens reais (“As aventuras de Molière”, de 2007), não descarta a possibilidade de um terceiro Pequeno Nicolau.
— Eu me sinto muito confortável com o Pequeno Nicolau, sou verdadeiramente envolvido com a história. Agora, eu também sinto a necessidade de desenvolver algum projeto pessoal, fazer algo diferente. Mas, daqui a uns três ou quatro anos, tenho certeza de que seria ótimo fazer um novo Pequeno Nicolau — diz Tirard.
LONGEVIDADE CINEMATOGRÁFICA
Nem novela fica tanto tempo no ar: “O pequeno Nicolau” estreou no Rio em 4 de junho de 2010 e se manteve em cartaz até 26 de agosto de 2011 nas salas do Grupo Estação. Em todo o país, o filme atraiu mais de 160 mil espectadores.
Foram quase 15 meses ininterruptos, um feito raro para uma época em que os filmes são canibalizados por novas estreias e mal passam do primeiro fim de semana de exibição — mas um feito que eventualmente acontece no Rio.
Ao lado de “Nicolau”, outro que se manteve por quase 15 meses em cartaz foi o francês “A culpa é do Fidel”, de Julie Gavras, entre 21 de dezembro de 2007 e 6 de março de 2009. Sua trama conta a história de uma garotinha emburrada cuja vida é completamente modificada pelo ativismo político de seus pais na década de 1970.
Mais exemplos dessa longevidade cinematográfica carioca foram o argentino “Elza & Fred” (seis meses e meio, entre 2006 e 2007), o canadense “Incêndios”, de Denis Villeneuve (seis meses, em 2011), o francês “Um lugar na plateia” (cinco meses, em 2007), o alemão “A fita branca” (três meses e meio em 2010) e o israelense “Lemon tree” (três meses, em 2008). O que chama mais atenção é que nenhum desses é uma megaprodução com a máquina de Hollywood por trás para apoiar sua distribuição.
Em São Paulo, um filme conseguiu ficar um tempo ainda maior. Foi o francês “Medos privados em lugares públicos”, do diretor Alain Resnais, que se manteve em exibição por três anos, de 2007 a 2010. Vencedor do Leão de Prata de melhor direção no Festival de Veneza, o filme foi uma adaptação da peça teatral homônima do inglês Alan Ayckbourn e acompanhou uma série de personagens diferentes em busca do amor numa Paris embranquecida pela neve do inverno.