NOVA YORK - “O importante é o decote”, diz Bette Midler ao deslizar en uma poltrona, ajustando as costas e estabilizando os seios até que eles estejam horizontais o suficiente para que um cinzeiro se equilibre neles.
Esta é a forma como a superagente de Hollywood Sue Mengers fumava sentada no sofá de sua casa, com um cigarro em uma mão e um baseado na outra, enquanto despejava seu espírito e sua sabedoria nos astros do cinema que apareciam. Mengers era tão sedentária que, quando o cinzeiro estava cheio, ela pedia à empregada que instalasse um limpo em seu peito.
— Sue pediu que um amigo soprasse fumaça de maconha em seu rosto quando estava morrendo — diz Bette sobre a agente falecida em 2011, uma lenda no meio cinematrográfico por causa de seu jeito desaforado e de seus jantares coalhados de estrelas. — Ela estava louca até o fim.
É o que conta a lenda — uma das muitas que Bette coletou no último inverno em Beverly Hills, na Califórnia, ao se preparar para interpretar Mengers em seu primeiro papel na Broadway em cerca de 40 anos, na comédia solo “I’ll eat you last”, de John Logan, atualmente em pré-estreia. Em conversas com Ali MacGraw, David Geffen e outros amigos da agente, Bette absorveu a linguagem corporal da personagem, em busca de enfrentar o desafio de manter o interesse do público em um monólogo de 80 minutos falado a partir de um sofá.
Aos 67 anos, depois de quase cinco décadas no ramo, Bette sabe muito bem quais são seus defeitos (não se arriscar) e erros (recusar papéis pouco convencionais). Ela não quer que a volta à Broadway dê errado por causa dos impulsos que não permitiram que ela realizasse o sonho de ser vista como uma atriz dramática séria.
— Meu marido fala sempre nisso, na forma como eu sempre aceitei o que os estúdios me deram, não fiz meu dever de casa e evitei papéis que pudessem colocar minha imagem em risco — diz ela. — Uma atriz deve pegar trabalhos que a desafiem ou que forcem os fãs a vê-la de uma outra forma. Nos anos 1990 eu já não era mais uma atriz, era uma pessoa que viajava com shows enormes. Os produtores me ofereciam “Mudança de hábito”, mas eu dizia: “Meus fãs não me querem vestida de freira”.
‘Recusar foi burrice’
Ela também recusou o papel da enfermeira Annie Wilkes em “Louca obsessão”.
— Não queria serrar o pé de ninguém, apesar de o papel ter rendido um Oscar — diz ela sobre o trabalho de Kathy Bates. — Foi burrice recusar aqueles filmes. Por isso, mesmo não tendo muita certeza sobre a peça, era a hora de dizer sim.
A Broadway sempre foi um desafio complicado para atores famosos acostumados à rede de proteção do cinema e da TV, onde se pode corrigir erros e gravar várias vezes. Logo, o nervosismo de Bette não é exatamente surpreendente, mas sua insegurança impressiona. Ela já ficou paralisada por isso antes. Convites para retornar à Broadway já tinham surgido, mas ela teve medo da dura vida sob os holofotes — oito apresentações por semana exigem técnica de verdade, resistência e confiança.
Essas preocupações persistem, a ponto de sua voz ser reduzida a um sussurro.
— Espero que as pessoas sejam compreensivas comigo, mas quem sabe? — questiona. — Talvez me massacrem. Será que eu consigo criar um personagem inteiro, tridimensional? Não sei mais. Vou tentar.
Uma cara de chapada acompanha a frase seguinte:
— O mais difícil provavelmente será atuar como se estivesse doidona. Não fumo desde os velhos tempos.