TORONTO - Esqueça aquela imagem de Hannibal Lecter atrás das grades ou usando uma focinheira, ambas eternizadas por Anthony Hopkins no filme “O silêncio dos inocentes”. O personagem agora tem aparência sofisticada, é um cozinheiro de mão- cheia, amante das belas artes, que “não usa nada que custe menos de US$ 500. E estamos falando de meias também”, brinca seu atual intérprete, o ator dinamarquês Mads Mikkelsen, no lançamento da série “Hannibal”, em Toronto, no Canadá. A história que estreia nesta terça, às 22h, no AXN, é livremente inspirada no livro “Dragão vermelho”, primeiro da série escrita por Thomas Harris sobre o mais famoso canibal da cultura pop. O Hannibal que chega pela primeira vez à TV é retratado numa fase mais jovem, quando ainda atua como psiquiatra, e seu gosto por carne humana não é do conhecimento geral.
— É claro que há um tipo de pressão diferente, porque Anthony Hopkins o interpretou com perfeição, e eu não posso copiá-lo. Mas, dito isso, o personagem é o personagem. Suas características são as mesmas e não posso me afastar completamente dele. Mas agora ele está num cenário diferente, então espero que o público consiga ver outros ângulos — observa Mads, que se tornou conhecido pelo grande público após o vilão Le Chiffre na franquia “007”, mas tem longa e premiada carreira no cinema dinamarquês: no ano passado, por exemplo, levou a Palma de Ouro de melhor ator no Festival de Cannes pelo filme “A caça”.
Apesar de dar nome à atração, Hannibal só aparece lá pelo meio do primeiro episódio. Quem dá o pontapé inicial na trama e é, de certa forma, seu verdadeiro protagonista, é o agente do FBI Will Graham (Hugh Dancy). Com uma habilidade fora do comum para se colocar no lugar dos outros, ele é recrutado pelo chefe da Unidade de Ciência Comportamental do FBI, Jack Crawford (Lawrence Fishburne), para ajudá-lo na elaboração dos perfis de criminosos. O problema é que o dom vem com um preço alto, e a relação tão próxima com crimes brutais torna frágil a saúde mental de Will. Problema resolvido: Jack convoca o Dr. Lecter para tratar o agente, sem saber que está trazendo um dos mais perigosos serial killers para dentro de seu departamento e da mente de seu novo pupilo.
— Acho que o mais surpreendente é como Hannibal se conecta com Will. Eles realmente gostam um do outro. E embora, ao longo da temporada, Hannibal vá destruindo a mente de Will, ele não vê desse jeito. Ele se identifica com Will e quer ajudá-lo a ver seu verdadeiro eu. O problema é que a visão dele desse verdadeiro eu é bem horrível, né? — define Hugh, que diante de um possível sucesso de “Hannibal” pode vir a formar o casal 20 do mundo das séries ao lado da mulher, a premiada Claire Danes, de “Homeland”.
Ambos concordam que a relação entre os protagonistas é o que há de mais interessante na série. E a química entre os atores, a julgar pelos primeiros episódios, parece boa, o que foi facilitado por se conhecerem desde que contracenaram no filme “Rei Arthur”, de 2004.
— Passamos seis meses juntos, andando a cavalo. Mas não foi de um jeito “Brokeback mountain” (ele ri ao citar o filme, no qual dois caubóis se envolvem). Sempre gostei do Hugh, e acho que ele gosta de mim. E, no caso dos personagens, a relação deles é o mais próximo de um “bromance” (junção de brother e romance; palavra que define uma amizade verdadeira entre dois rapazes nos EUA) que Hannibal pode ter. Ele fica fascinado pela habilidade de Will.
Para transformar em imagem a tal capacidade de empatia de seu protagonista, o produtor executivo Bryan Fuller (de “Pushing daisies”) optou por um recurso cênico interessante: enquanto analisa a cena do crime, o agente consegue ver a si mesmo no lugar do assassino, inclusive apertando o gatilho e matando as vítimas (o público também tem a mesma visão). Claro que tal habilidade não pode fazer bem para a cabeça, e é por isso que Will é um homem fechado. Para Hugh, as cenas ajudam a aproximar espectadores e personagem:
— É interessante ver que há um personagem bom e outro que é o mal personificado. Mas se você tivesse que sair para jantar com um deles, certamente escolheria Hannibal. Ele é uma companhia muito melhor. A forma como Will se relaciona com as pessoas é precária. Preciso achar meios, como ator, de mostrar ao público o que ele está passando, ou então ninguém vai gostar dele.
Mas embora esteja sob a pele de um gentleman sofisticado e bem-humorado, não se engane. Hannibal continua o mesmo psicopata de sempre. Mais que isso: ele é “o próprio demônio”, segundo Mads. O ator não descarta, no entanto, a possibilidade de ver o público ao lado do vilão.
— É, isso acontece de vez em quando. Eu vejo “The walking dead” e, às vezes, me pego torcendo para os zumbis. Acho que não é preciso gostar do personagem, mas ele tem que ser fascinante. Eu preciso entender, de alguma forma, como ele pensa. Mas não se preocupem, não estou me transformando no Hannibal.
*A repórter viajou a convite do canal AXN