TÓQUIO - Na costa Nordeste do Japão, brutalmente tragada pela tsunami de 2011, estradas foram recuperadas e a montanha de destroços foi varrida em tempo recorde. Os japoneses, mais uma vez, viraram sinônimo de superação. As cidades arrasadas, porém, perderam uma característica fundamental, além de 20 mil vidas: o senso comunitário. A preocupação em preservar as memórias de uma área rural e tradicional mobilizou nos últimos dois anos o arquiteto japonês Toyo Ito. O ganhador do Pritzker Prize de 2013, anunciado nesta semana, não investiu ali em construções espetaculares como as que lhe deram o maior prêmio da arquitetura mundial. Buscou somente casas que trouxessem algum conforto a quem não pode sequer se apegar a fotos como lembranças. Tudo foi levado pelo mar.
Encabeçado por Ito, o projeto Home for All (Casa para Todos) está ajudando a reunir comunidades que se desintegraram. São centros públicos em que os moradores podem se encontrar, cozinhar, comer e beber. Em diálogos com os sobreviventes, um grupo de jovens arquitetos acionados por Ito entendeu que as pessoas sentiam falta de uma “sala de estar”, um espaço em que pudessem resgatar os laços sociais desfeitos pela catástrofe — conceito que pode ser transportado para outras regiões devastadas por desastres naturais.
O Home for All já ergueu seis casas comunitárias, construídas por voluntários, e outras virão. Ito, parte de uma geração que transformou o Japão em referência de design inovador, diz que a experiência no litoral destruído o ajudou a repensar a própria função da arquitetura. Numa terra traumatizada, ele deixou de lado traços e materiais sofisticados para começar do zero, investindo no que define como uma “arquitetura primitiva”, simples. O projeto ganhou aplausos do mundo todo por seu princípio universal e deu aos japoneses o Leão de Ouro da última Bienal de Veneza, no ano passado.
— Se não pensarmos em que tipo de país vai renascer do entulho, o que teremos aprendido com essa desgraça? Essa parte do Japão nunca foi rica ou glamourosa, mas era cheia de história. Apenas removê-la, sem preservar heranças, não é a solução para os que decidiram ficar — diz Ito, de 71 anos.
Visão cinzenta e melancólica
Para planejar casas que espelhem o espírito de cada comunidade, o arquiteto deixou seu escritório em Tóquio e projetos grandiosos espalhados pelo mundo para conversar com pescadores e agricultores. Dezenas de milhares de desabrigados vivem hoje em complexos residenciais temporários que se parecem com contêineres, enquanto esperam o início da reconstrução em massa no Japão. Ninguém ficou sem teto, mas é uma visão cinzenta e melancólica.
Ito percebeu que muitos preferiam ficar em abrigos improvisados em ginásios e escolas, apesar da falta de privacidade, adiando a transferência para as novas casas. Os que sobreviveram temiam a solidão. Era preciso fazer algo a curto prazo, sem esperar ajuda oficial em larga escala, mas também sem deixar de olhar para o futuro.
— Quando falamos em reconstrução, é preciso pensar num ponto de vista mais humano — avalia Ito.
Em Rikuzentakata, vilarejo quase todo varrido do mapa pela onda gigante, cedros arrancados pelo mar foram reaproveitados como estacas naturais que sustentam o centro comunitário. Em Kamaichi, os mais jovens sonhavam com um ponto de encontro para workshops, aulas de culinária ou qualquer coisa que pudesse ajudá-los a recomeçar. Em Sendai, os vizinhos queriam apenas uma casa de madeira com jardim. Na pequena Higashimatsushima, as crianças pautaram o traçado da estrutura com jeito de parquinho.
— Não adianta enfatizar demais projetos altamente tecnológicos em lugares em que as pessoas não estão prontas para isso — acredita Ito.
Além dele, outros grandes nomes da arquitetura japonesa se envolveram, como Kengo Kuma e Kazuyo Sejima, também ganhadora do Pritzker. Juntos, eles assinaram um manifesto pedindo contribuições de profissionais e estudantes de diferentes partes do mundo. O resultado foi exibido em Veneza. Nem tudo sairá do papel, mas o que os mestres queriam era romper amarras e provocar uma discussão sobre o significado da arquitetura.
Durante um encontro recente com jornalistas em Tóquio, Ito se comunicou, via Skype, com uma das casas do Home for All em Sendai, a cerca de 300 km da capital japonesa. Um grupo de moradores saudou-o com carinho e emoção. Um estudante contou ao mestre que está entrevistando várias pessoas da região para que registrem sua visão do lugar antes de a tsunami passar.
“Assim ficará mais fácil planejar cidades parecidas com o que havia aqui antes”, disse ele a Ito. No conforto de Tóquio, o arquiteto famoso tentou segurar as lágrimas por trás de seus óculos modernos. O menino havia entendido perfeitamente o que ele vem tentando dizer há anos.