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Pesquisa expõe apologia ao uso do crack no Twitter

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RIO - “Fumando duas pedras de crack para começar a tarde bem”. A frase, que poderia ter sido ouvida pelas ruas de alguma cracolândia em uma grande cidade brasileira, foi publicada em um perfil do Twitter em dezembro do ano passado. Assim como ela, muitos outros pequenos depoimentos sobre o consumo de drogas são escritos diariamente por milhares de pessoas no microblog. Alguns em tom de brincadeira, outros nem tanto, eles foram a base para uma pesquisa que avaliou como as drogas, lícitas e ilícitas, são retratadas nas redes sociais. Os resultados surpreenderam até mesmo quem lida com dependentes químicos, e mostram que nem sempre o que é considerado senso comum é reproduzido na rede.

A ideia partiu do matemático Braulio Medina, cofundador da empresa Vortio, de análises de redes sociais para marcas e produtos. Ex-fumante, ele decidiu usar seu conhecimento para monitorar a rede e compreender qual a imagem das drogas por lá. A ferramenta utilizada identificou por 17 dias todas as menções no Twitter às drogas listadas: crack, maconha, LSD, ecstasy, Rivotril, cocaína, cigarro e cerveja, num total de 300 mil tweets. A análise levou em conta o aspecto positivo ou negativo das mensagens trocadas no microblog, além do sexo e o potencial de influência de seus emissores, identificado pelo número de seguidores. Os resultados foram apresentados no YouPix Rio, festival de cultura digital que aconteceu no Rio de Janeiro.

— O Twitter é uma rede aberta onde as pessoas expõem mais o que pensam. Se em uma pesquisa você consegue ouvir dezenas ou centenas de pessoas, na rede social eu posso ouvir milhares. Esse é um estudo preliminar, mas a gente já pode perceber um sentimento bastante positivo em relação à droga — afirma Medina.

Uma das maiores surpresas foi a maciça aceitação do crack . O subproduto da cocaína foi citado mais de 18 mil vezes, e teve 2.338 memes. Das citações, 52,2% foram de apologia à droga e podem ter alcançado mais de um milhão de pessoas. Segundo Medina, isso mostra que o crack está cada vez mais presente na classe média, e que a sua imagem não é tão negativa quanto deveria.

Para a psicanalista Ivone Ponczek, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o resultado é assustador. Ela argumenta que a grande maioria dos usuários não têm o perfil de quem estaria nas redes sociais. São pessoas em situação de miséria e muitas vezes sem moradia. O fluxo de mensagens positivas indicaria uma atração pela transgressão que a droga representa, e um estímulo preocupante.

— Tudo o que se fala sobre o crack é que ele é devastador. Me espanta que essa droga esteja levando uma imagem positiva. Tenho a triste impressão de que existe uma certa atração pelo trágico. Esse resultado nos faz questionar certas campanhas que ligam a droga à tragédia, e podem ter um efeito paradoxal.

A cocaína, por outro lado, teve 75% de comentários negativos a seu respeito. Já a maconha foi a droga ilícita com maior aceitação: 91,9% de mensagens positivas e mais de 18 milhões de pessoas potencialmente alcançadas. A droga só perde em aceitação para a cerveja, com 94,4% de citações positivas, e o Rivotril, calmante que não teve sequer uma menção negativa.

— A cerveja e a maconha provocam sensação de relaxamento por serem depressores do sistema nervoso central, assim como o Rivotril. O que devemos nos perguntar é o que está fazendo os jovens precisarem se drogar tanto. Vivemos em uma sociedade de excessos e do prazer instantâneo. Não podemos desvincular as drogas da nossa cultura — salienta Ivone.

Uma breve pesquisa no Twitter já oferece uma ideia do que Medina encontrou em seu estudo. São abundantes piadas sobre o uso de algumas drogas e comparações entre os efeitos de cada uma. Enquanto alguns perfis causam apreensão, outros sugerem muito do que está no microblog não deve ser levado a sério. O usuário @FrasesMaloquero, por exemplo, narra o dia a dia de um traficante. Poderia ser interpretado como apologia ao crime, mas não passa de uma brincadeira. Seu criador, o analista de crédito Carlos Alexandre de Alencar, garante que não usa drogas e vê sua atividade na rede como mera diversão. O rapaz de 24 anos admite que algumas pessoas dizem se identificar com o que ele escreve, mas lembra que nada ali pode ser levado ao pé da letra.

— A rede social já é uma coisa que as pessoas não levam tão a sério, e o meu perfil é uma grande brincadeira. As pessoas me seguem para rir — afirma.


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