RIO - Ao subir a cavalo o morro Maunga Terevaka, o ponto mais alto da Ilha de Páscoa, vê-se, a 360º, mar por todos os lados. O horizonte é tão limpo que a curvatura da Terra está ali, nítida. No lugar habitado mais isolado do mundo, não há pistas de terra firme por perto (Santiago fica a 3.765 km, e a Nova Zelândia, a 7.072). Não é à toa que, antes do barco do holandês Jacob Roggeveen chegar, num domingo de Páscoa, em 1722, os nativos acreditavam que o local fosse o “umbigo do mundo” (“Te pito o te henua”).
Raios ultravioleta castigam
Antes de tomar o avião, não tinha notícias de ninguém que já tivesse colocado os pés lá. Por isso, a surpresa ao ver que, em fevereiro, época do festival anual Tapati Rapa Nui, a ilha fica apinhada de turistas. Entre as mais de 50 provas, uma das mais esperadas é o Haka Pei, em que os adversários descem do alto de um vulcão adormecido deitados sobre troncos de bananeira amarrados. Enquanto isso, ambulâncias ficam a postos no pé do morro, prontas para socorrer aqueles que se estrepam na descida. E não é exagero: entre os sete participantes, dois saíram com a sirene aos gritos.
Há também outra disputa, esta não violenta, em que três grupos cantam canções tradicionais, um de cada vez. Perde aquele que erra a letra ou que repete uma música já entoada pelo rival. Em pleno carnaval no Brasil, as mulheres polinésias em frente à banda, cantando e dançando com roupas típicas, talvez sejam a imagem mais próxima que se tem das escolas de samba.
Só no quarto parágrafo lembro de falar dos moais, principal atração da ilha. Em sua maioria, os monolitos de pedra estão virados de costas para o mar, de frente para a terra. Ao todo, são 887 estátuas, sendo que aproximadamente 500 se concentram em Ranu Raraku, espécie de fábrica original onde ficava a rocha que servia como matéria-prima.
O mistério é: como aqueles monumentos, sempre masculinos, eram carregados? Estão espalhados por toda a ilha e pesam, em média, mais de 10 toneladas. Na década de 1990, o Japão cedeu uma grua de cerca de 90 toneladas para erguer 15 moais caídos depois de uma tsunami, 30 anos antes. O curioso é que a grua tinha o mesmo peso que a maior das estátuas. É difícil imaginar como os nativos carregavam os moais sem nenhum recurso além de troncos de árvores, pedras e, claro, braços.
Outro ponto que não passa despercebido é o sol escaldante. Na saída, no aeroporto, bati os olhos na placa com a informação essencial (porém tardia): numa escala de 0 a 11, os raios ultravioletas alcançam a marca de 11+. Devastada há tempos, a ilha serviu como pasto de ovelhas trazidas pelos europeus e plantação de eucalipto, o que contribuiu para tornar o solo inutilizável. Como se não bastasse o colapso do ecossistema, a população foi quase dizimada pelas doenças dos europeus e dos escravos trazidos do Peru.
Quase não há árvores. Sem sombra e dúvidas, é um destino insólito, onde até o couro cabeludo fica queimado.
*Transcultura é o coletivo que publica novidades da cultura alternativa no Segundo Caderno às sextas-feiras.