RIO - Dizia Lourenço Fonseca Barbosa que “se o frevo fosse americano, dominava o mundo”. Autor de ao menos 155 frevos e de alguns clássicos da MPB, Capiba, como era conhecido, não viveu para ver o ritmo que lhe deu fama ser transformado em Patrimônio Imaterial da Humanidade, tornando-se, assim, a terceira manifestação brasileira a ter o título conferido pela Unesco. A honraria foi concedida no fim do ano passado.
Com mais de um século de existência, o mais frenético dos ritmos pernambucanos vive o seu primeiro carnaval — e, neste sábado, o seu primeiro Dia do Frevo — depois do reconhecimento. Mesmo assim, só 34% dos artistas que comandarão os 300 shows que ocorrem no feriado são cantores especializados no gênero. Apesar de muito vivo, seu destino é incerto. Diferentemente do forró, o frevo restringe sua execução aos dias de festa: não ocupa as rádios no resto do ano.
— É maravilhoso que o frevo tenha sido declarado patrimônio imaterial. Entretanto, temo pelo futuro do gênero mais tradicional do carnaval pernambucano. As rádios não tocam o ritmo, e ele tem dificuldade de se renovar. Mas continuo a militar nas trincheiras, tendo como aliados a internet e o público — diz Alceu Valença.
Figura obrigatória na maior festa popular de Pernambuco, o cantor faz neste ano sete shows no estado interpretando os frevos mais marcantes de sua carreira, como “Tropicana” e “Bom demais”.
Já Maestro Spok, um dos responsáveis pela nova roupagem do gênero e titular de uma orquestra que já percorreu quatro continentes, ressalta o crescimento do ritmo. Neste ano, ele recebe em Recife músicos do Lincoln Center para oficinas unindo pernambucanos e americanos. Em 2014, são os recifenses que embarcam para workshops com os grandes nomes do jazz daquele país.
— Acredito que o frevo chama a atenção por ser uma linguagem muito diferente daquela a que estão habituados. Participamos de um festival de jazz na França, e eles ficaram doidos pela nossa música. O próprio Wynton Marsalis veio falar conosco — conta Spok, referindo-se ao diretor de jazz do Lincoln Center, de NY, responsável pelo convite para que a banda se apresente por lá.
Apesar do bom momento, o frevo — reconhecido pelo Iphan em 2007 como patrimônio cultural e imaterial do Brasil — enfrentou resistências para angariar o título da Unesco mesmo dentro do país. Houve quem o considerasse muito “vivo”, longe do risco de extinção e, portanto, fora do alcance do benefício internacional. O problema, porém, são as dificuldades de preservação.
— Temos poucas escolas, e no nosso conservatório não há um só curso que trate especificamente do assunto. Os registros estão dispersos. Em 2010, levantamos 29 acervos e descobrimos partituras em estado lamentável. Esses documentos precisam urgentemente de catalogação — afirma a historiadora Carmen Lélis, que trabalhou no levantamento da documentação para a Unesco e integra o Comitê Gestor Provisório de Salvaguarda do Frevo.
Projeto de valorização
Um dos projetos de preservação é o Paço do Frevo, que deve ser inaugurado neste semestre e será dedicado à valorização do ritmo. O Paço é uma iniciativa da Prefeitura do Recife com realização da Fundação Roberto Marinho. Outra ideia, conta Carmen, é criar um Pontão de Cultura, que agregue entidades do setor:
— Precisamos criar meios para que os praticantes se empoderem e contribuam para a preservação.