RIO - Expoente da nova dramaturgia inglesa, o premiado Mike Bartlett, 33 anos, tem dois textos em cartaz no Rio: “Contrações” (quarta a domingo, às 19h30m) e “Cock” (terça a quinta, às 21h), no Centro Cultural Banco do Brasil carioca e no Poeira, respectivamente.
Desde quando o teatro faz parte da sua vida?
Desde os 14 anos o teatro é a arte que mais me atrai. Na escola, eu lia e assistia aos clássicos de Shakespeare, Tchekov, Beckett, Pinter, assim como os de autores contemporâneos, como Mark Ravenhill, Sarah Kane e Philip Ridley. Na faculdade, fiquei mais interessado por outras formas de teatro, pelas pesquisas e obras de grupos como (os ingleses) Forced Entertainment, Unlimited Theatre e Shared Experience Company. Me interessavam as abordagens que tentavam unir vanguarda e popular, e acho que é isso que me interessa e motiva ainda hoje. Não acredito que fazer algo novo, original, seja incompatível com atingir plateias mais amplas e variadas.
Antes de escrever você chegou a atuar e pensava mais em direção. O que o fez mudar de ideia?
Quando saí da universidade, era difícil achar peças que gostaria de dirigir, então comecei a escrever. Estreei algumas peças e logo depois entrei para o Royal Court Young Writers Programme. Lá, tive aulas com o (dramaturgo inglês) Simon Stephens. Ele foi inspirador, incrivelmente detalhista e informativo em relação à estrutura.
Foi no Royal Court que você encenou os seus três primeiros sucessos. Entre eles, “Contrações” (2008) e “Cock” (2009).
Sim, foi lá que estreei a minha primeira peça profissional, “My child” (em 2007), e logo depois essas duas.
“Contrações” se desenvolve por meio da contínua repetição de uma cena em que a gerente de uma empresa tenta extrair da funcionária detalhes de sua vida íntima. Determinada a obedecer ao código de ética da empresa, ela exerce um tipo de controle que anula a possibilidade de que a funcionária tenha uma vida privada. O que o levou a criar esse texto?
“Contrações” surgiu depois de eu ler uma reportagem sobre o assunto, e também porque um amigo vivia um problema com o chefe. A peça investiga o modo como uma organização que busca estritamente o lucro — o que, pelo capitalismo, a maioria das empresas deve fazer — trata a existência humana. Como essas empresas lidam com as falhas, com o caos, com a nossa biologia. Nessa busca incessante pela eficiência, minimiza-se ao máximo tudo o que é imprevisível.
Já em “Cock”, três personagens formam um triângulo de tensões amorosas, com disputas em torno de uma pessoa. E o atrito se dá no momento em que um homem gay se apaixona por uma mulher, com a tensão de fato se estabelecendo pela forma como ele é pressionado a escolher não só com quem ficar, mas a decidir o que ele é, se gay ou heterossexual. O que está em jogo em “Cock”?
Lembro-me de assistir a uma tourada no México, e depois a uma briga de galo. Então o ponto de partida foi um interesse sobre esses esportes de luta, de sangue. Fiquei pensando em como poderia levar isso ao teatro. Ao mesmo tempo, veio a questão da sexualidade. Tenho muitos amigos que são “heterossexuais”, mas que já tiveram relacionamentos gays, ou amigos “gays” que já viveram relacionamentos hétero, então essas definições e categorizações sexuais me parecem perigosas, porque restringem o comportamento humano, mais do que autorizam e potencializam as nossas vontades. Então essas ideias, de briga e sexualidade, se juntaram. Durante a escrita, percebi que a peça era, na verdade, sobre sexualidade, e não sobre os tais esportes. Hoje acredito que é mais sobre amor, identidade e escolhas. É a dificuldade de um dos personagens de decidir ou escolher que mobiliza a maioria das pessoas na plateia, e não a questão específica da sua sexualidade.
A estrutura de “Contrações” chama a atenção pelo modo como a repetição resulta em transformação. Já em “Cock” os tempos dos eventos se embaralham, se confundem e se encontram. De que modo elas se aproximam pela busca formal, no desejo de encontrar, mais do que um tema, a forma exata para comunicar tal conteúdo?
São peças diferentes, mas espero que ambas sejam incomuns, provocativas e prendam a atenção. Penso muito sobre encontrar a forma certa para o conteúdo. É importante achar uma forma que atue como metáfora, que a forma da peça seja um meio de revelar a história e os temas. Sempre que tenho uma ideia, planejo tudo, até conteúdo e forma se encaixarem. Há vezes em que começo a escrever um diálogo e deixo a peça ir surgindo. Enfim, cada peça é uma experiência de escrita. E é importante que cada uma seja diferente e única. Tento sempre fazer algo que a (dramaturga inglesa) Caryl Churchill faz, que é se questionar toda vez em que começa a escrever. É preciso perguntar “O que é uma peça?”. Isso me permite sempre começar do zero.
Como avalia a importância e a relevância do teatro enquanto experiência estética nos dias de hoje?
Numa época em que tantas histórias e narrativas são mediadas, digitalizadas e entregues em nossas casas de forma individualizada, via iPad, iPhone e computadores, sinto que o teatro se torna cada vez mais importante, uma experiência distinta, incomum. Acho que temos de sair das nossas casas, nos encontrar uns com os outros, desligar nossos telefones, ser capazes de concentração e de focarmos em algo por uma período relativamente longo. No teatro, é possível pensar e trabalhar questões em conjunto. Aqui na Inglaterra os jovens têm buscado cada vez mais o teatro, porque é uma experiência imediata, uma forma não mediada de explorar e presenciar visões diversas sobre o mundo. Aqui o teatro ainda é fundamental como espaço de diálogo sobre as questões nacionais. Acredito realmente que ele pode influenciar o debate sobre as mais variadas questões, além de nos ajudar a entender melhor as nossas vidas, relacionamentos, pensamentos e problemas. Acho que o teatro nos faz sentir menos solitários em um mundo cada vez mais atomizado e pulverizado.