RIO — Uma cartela de comprimidos passa de mão em mão entre dez artistas. Explicam se tratar de remédio para afinar o sangue — o deles, completam com gravidade na voz, será coletado em seguida e usado como tinta para escrever a frase “Eu como você” numa parede do Museu de Arte do Rio.
— Mas isso não é uma performance! Isso é apenas o grupo escrevendo o letreiro de sua mostra! Que fique claro — bradou Marcela Campos, uma das dez artistas do coletivo EmpreZa, que abre ao público hoje, no MAR, a exposição cujo título será gravado com sangue.
Numa das duas salas que o grupo ocupará no museu, uma enfermeira segurava o jaleco branco enquanto esperava para coletar sangue, na manhã de ontem. Na outra, o coletivo, sempre em tom grave, sério, esmiuçava seu projeto artístico. Falava-se em “limites do corpo”, “proposta poética de bordas borradas”, “superpoderes e superfraquezas do indivíduo”, “o vômito como manifestação genuína da raiva”, “campos de angústia e de desejo”, “fricção de fronteiras”, “corredor polonês de ideias”.
— Cada um de nós pode trazer uma ideia, e ela é lançada no corredor polonês (do grupo) e espancada. Se sair inteira no final, a performance existe — vaticinou outro membro do coletivo (eles não exigem ser nomeados um a um; são “anárquicos, não hierárquicos”).
Uniram-se pela primeira vez em 2001, após um festival de performance em Goiânia, de onde vem a maior parte dos membros. Agora ocuparão o térreo do MAR: num ambiente, expõem registros de performances dos últimos 13 anos; no outro, têm um espaço quase vazio para criar novas ações e receber convidados enquanto a exposição estiver em cartaz (até 20 de julho).
Eles próprios vão fazer (ao vivo) antigas e novas ações no primeiro ambiente, entre os monitores que exibem os registros das performances criadas entre 2001 e 2013. Hoje, das 18h às 20h, farão a primeira edição do que chamam de “serão performático”. O evento se repete nos dias 24 de junho e 15 de julho.
Só dois dos dez artistas estão no EmpreZa desde o início, Babidu (sem sobrenome, por ser “nome artístico”, segundo outro membro do coletivo) e Paulo Veiga Jordão.
— O grupo não tem formação pronta, nada é escrito na pedra. Pessoas entram, saem, e o projeto vai se flexibilizando, a proposta poética tem as bordas borradas — diz Jordão, entre citações sobre a presença do corpo na arte. — Cada um chega com as suas superfraquezas e seus superpoderes, e tudo é valorizado. Cada um tem seus limites.
Há quem, por exemplo, não aceite comer cabelo. Assim, nem todos fizeram a performance “Antropofagia”, de 2002, cujo roteiro é: um artista enche a boca e mastiga o cabelo do outro que está exatamente à sua frente. Menos adesão ainda poderia ser esperada na obra “Sopa de letrinhas”, de 2002, que, apesar do nome singelo, consiste em: um artista de terno sentado numa cadeira, outro artista em pé; o artista em pé vomita longamente sobre a cabeça do artista sentado.
— Algumas ações são traumáticas. Nem sempre a dor é o limite — diz Babidu, lembrando a performance em que, num restaurante em pleno funcionamento, tinha de comer com alargadores na boca e quase chorou “sentindo a energia pesada” vinda dos outros clientes que, enojados com a cena, observavam-no boquiabertos e já não podiam tocar seus próprios pratos.