RIO — O visitante que percorre as salas da Fundação Eva Klabin, na Lagoa, dificilmente se dá conta da particularidade de cada peça exposta na casa-museu da Lagoa. A tendência é ver tudo no conjunto — as esculturas da Renascença italiana, por exemplo, os diversificados vidros romanos, ou ainda a coleção chinesa. É justamente para chamar a atenção para peças específicas do acervo que Rosângela Rennó imaginou a exposição “Círculo mágico”. Décima-oitava edição do Projeto Respiração, criado pelo curador Marcio Doctors para oxigenar a eclética coleção da casa onde viveu Eva Klabin, a intervenção da artista mineira será inaugurada no próximo sábado, às 16h, prometendo atrair o olhar de quem passa para a própria coleção.
Rosângela escolheu 16 objetos da casa, deslocando-os de lugar ou destacando-os, com uma iluminação própria. Um esquife de gato (304 a.C.-395 d.C.) foi tirado, por exemplo, da vitrine do Egito antigo para um retábulo renascentista, ao lado de um São João Evangelista (Itália, séc. XVII) e de uma Madona dos Meninos Travessos (Itália, séc. XVI). Na mesma sala, uma peça pré-colombiana originária do México faz composição com “Madona, menino e São João Batista”, de Botticelli. Mas mesmo o visitante mais distraído não ficará imune à estranheza: cada obra terá uma gravação, acionada por uma célula fotoelétrica, na qual o objeto, transformado em personagem, contará algo a seu respeito. Uma luz piscará no ritmo da “conversa”.
— Desde o início eu queria uma intervenção muito sutil no espaço, o mínimo de coisas agregadas. A ideia era quase tirar — conta a artista, indo na contramão das mais recentes intervenções na casa. — Isso foi um pouco a brincadeira ali. Inclusive tirar a voz, tirar alguma coisa de dentro deles para fora. Essa ideia de colocar os objetos para falar é dar um poder para eles, um poder mágico, como a gente supõe que os objetos de arte têm.
O próprio título da exposição já trata disso: a expressão “círculo mágico” foi tirada de um texto de Walter Benjamim que discute esse poder do objeto de arte, quando é escolhido, entre muitos outros, para ser retirado de circulação e congelado numa coleção. O texto de cada um partiu de uma escolha subjetiva, inspirada pela bibliografia ou por detalhes que chamaram sua atenção, como o “Retrato de homem”, do holandês Gérard Ter Boch, do século XVII.
— Existe uma outra pintura do Ter Bor, idêntica a essa, num museu alemão. A curadora de lá não queria admitir que fosse autêntica, mas no fim acabou reconhecendo que era original, e que haveria uma forte possibilidade de ter, inclusive, havido mais do que as duas conhecidas.
Relevância à coleção
Em outros casos, Rosângela destacou peças abrindo espaço à sua volta. É o caso da coleção de vidros romanos, mais de 50 dispostos numa vitrine. A artista deixará só três: dois lacrimatórios e um vidro de unguento, para que fiquem “visíveis” aos visitante.
— O fato de as pessoas verem apenas o conjunto tem muito a ver com o mundo em que vivemos, de completa desatenção por causa do excesso de informação — diz Marcio Doctors. — Ao destacar certos objetos para que não fiquem submersos no acervo, ela está estabelecendo uma sintonia muito grande com a coleção, através da memória da própria coleção.
— Eu queria que fosse uma intervenção que desse mais relevância à coleção propriamente dita do que à minha ação sobre ela. A minha ação sobre ela é o suficiente para deixar a coleção falar sobre si própria — diz a artista.
A mostra “Círculo mágico” inaugura o projeto educativo da Eva Klabin e a abertura da casa ao público nos fins de semana, das 14h às 18h, a partir do dia 27, com entrada gratuita aos domingos.