RIO — Pessoas comuns estão sendo retratadas em grandes dimensões e transformadas em estrelas da arte de rua em algumas experiências em andamento no Rio e em São Paulo, que mostram grafite, estêncil e fotografia com técnicas e efeitos superrealistas. Na Zona Norte do Rio, em Inhaúma, 27 crianças da Escola Municipal Barão de Macahubas foram retratadas, em spray, por dez grafiteiros especializados em retratos, como Airá Ocrespo, Acme, Carlos Bobi e Anarkia, em um muro de mais de 300 metros de extensão, na Avenida Pastor Martin Luther King Junior. Já em São Paulo, usuários do sistema de ônibus foram eternizados em pintura e estêncil pelo artista Ozi, no Terminal Urbano Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte.
No caso de Inhaúma, crianças que tinham problemas com bullying escolar levaram um verdadeiro choque de autoestima pelas mãos destes artistas de rua, no projeto “GaleRio”. Elas foram fotografadas, em atividades cotidianas, na escola, pelo coletivo Fotografando pelo Rio, e puderam acompanhar o trabalho dos grafiteiros em tempo real. A obra, que ainda está ganhando uma camada de verniz, elevou o moral de toda a comunidade, que se viu no muro e no trabalho desses artistas. A proposta do “GaleRio” — plataforma do Instituto EixoRio, núcleo de articulação urbana da Prefeitura do Rio — é transformar os muros de 40 quilômetros da linha 2 do metrô na maior galeria urbana a céu aberto do Brasil, passando por 15 bairros.
— Esse trabalho coloca esses meninos e meninas como protagonistas da história, influenciando positivamente na questão da autoestima — afirma o grafiteiro Airá Ocrespo, que também é um dos curadores da “GaleRio”. — Encontramos histórias bem difíceis atrás daquelas fotos, de crianças com depressão, problemas familiares, ou que sofriam bullying na escola. Essa ação deu a elas uma nova perspectiva, mudando a sua percepção sobre si mesmas e a própria vizinhança.
Carlos Bobi, do Espaço Rabisco, que coordenou a ação, também ressalta a valorização da comunidade:
— Esses meninos vão crescer e, mais tarde, vão se ver ainda neste muro, que muda a história do lugar. Os retratos foram feitos por meio de uma técnica complexa, realista, que inclui efeitos de luz e sombra e estudos de anatomia. De difícil execução, mas com um resultado final recompensador.
“Ninguém é feio, ninguém é bonito”
Já o artista Ozi, da velha guarda do grafite paulistano, finalizou, na última quarta-feira, o projeto “De passagem” uma série de 30 retratos de usuários do Terminal Urbano Vila Nova Cachoeirinha, em parceria com a fotógrafa Carla Bispo.
Durante uma semana, os dois fotografaram, filmaram e entrevistaram alguns dos milhares de passantes que utilizam o espaço, registrando também as histórias de seus deslocamentos, material que vai se transformar em um curta-metragem. Os retratos foram transformados em máscaras de estêncil, recortadas manualmente. A pintura em tinta acrílica foi misturada a camadas de spray.
— Eu já tinha trabalhado com retrato em uma única obra sobre o Carlos Drummond de Andrade, em um evento fechado, no Rio, mas esta foi a primeira experiência com pessoas próximas. Todas elas são protagonistas, valorizamos esses anônimos em atividades cotidianas — explica Ozi. — Ninguém é feio, ninguém é bonito, todo mundo é legal. É um recorte do cotidiano do fundão da Zona Norte de São Paulo, valorizando essa mistura que é a cara da nossa periferia.
O projeto “De passagem” se soma ao “Giganto”, da artista gaúcha Raquel Brust, que clicou personagens nas imediações do Minhocão, em São Paulo, e inseriu as fotos de escala monumental nas vigas do viaduto. As imagens bombaram nos sites internacionais de tendências, mas a turma da arte de rua não gostou muito e contra-atacou com uma série de intervenções críticas sobre os lambe-lambes, com inscrições como “plágio”, “sugado”, “à rua o que é da rua” e “J.R.” (referência ao artista francês que espalha fotos em grandes dimensões pelas cidades mundo afora).
— Essas intervenções fazem parte do processo da arte de rua e são naturais, não vi como agressivas, mas como um diálogo. Existem outros artistas, em várias partes do mundo, que trabalham com fotografia ultradimensionada, além do J.R., que eu admiro muito. Fico feliz com a comparação — argumenta Raquel. — É uma fotografia viva, que está sujeita a essas reações, não está emoldurada, na galeria.
* Fabiano Moreira escreve na Transcultura, publicada às sextas no Segundo Caderno