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‘Vou morrer namorador’, diz Miguel Falabella, que estrela e escreve série ‘Pé na cova’

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RIO - Não se engane. O mesmo Miguel Falabella que declara ser 100% devotado ao trabalho — a ponto de pensar em tirar um ano sabático somente para terminar de escrever um romance sobre a origem de sua família — também encontra tempo para realizar todo e qualquer tipo de atividade. Em cartaz no Rio com o musical “Alô, Dolly”, o autor e protagonista de “Pé na cova”, série que estreia nesta quinta-feira, às 23h20m, na Globo, “faz o que todo mundo faz”. Seja uma caminhada na Lagoa, bairro onde mora no Rio, ou beijar na boca.

— Sempre fui muito namorador e vou morrer namorador — provoca, aos 56 anos.

A morte e a passagem do tempo rondam o novo trabalho. Durante entrevista em sua casa, Falabella, um frasista nato, afirma encarar com naturalidade o envelhecimento. Mas assume que passou a priorizar suas atividades. Com vários projetos em curso, este homem que dorme no máximo seis horas por noite acredita que “Pé na cova” será seu último trabalho como ator na televisão:

— Enjoei.

Nascido em São Cristóvão e criado na Ilha do Governador, o autor lança seu olhar afetuoso sobre a Zona Norte do Rio ao ambientar a nova série no Irajá. Na trama, ele interpreta Ruço, pai da família Pereira — um clã bizarro, na definição dele mesmo — e dono da F.U.I, Funerária Unidos do Irajá. É em torno deste ambiente que se passa a ação do seriado, que traz Marília Pêra como uma maquiadora de defuntos e alcoólatra e a cantora Mart’nália no papel de Tamanco, a dona de uma oficina mecânica que namora a filha de Ruço.

Nesta conversa com a Revista da TV, Falabella fala ainda sobre o humor politicamente incorreto, vaidade, e a abordagem dos casais gays na TV.

Qual o peso do trabalho na sua vida?

É 100%, mas de uma forma muito saudável. Sou um worklover, não um workaholic. Eu transformo o meu trabalho num local de amor. Está tudo misturado. Os meus grandes amigos são do ramo. O trabalho está presente o tempo todo. Quando penso em tirar um ano sabático é para terminar de escrever o romance sobre a minha família. Sempre que tenho uma ideia quero realizá-la. Sou um obstinado.

Consegue conciliar trabalho com a sua vida pessoal?

Claro que tenho uma vida. Sempre fui muito namorador e vou morrer namorador. O povo sabe que eu não só trabalho. Ninguém iria comprar ingresso para me ver no teatro se achasse que eu não faço sexo.

Por que decidiu parar de atuar na TV?

A gente vai ficando velho e tem que priorizar. De ator de TV estou fechando mesmo a tampa. Enjoei. Eu vivo num furacão. Perco muito tempo gravando e quero escrever mais, criar musicais inéditos para o teatro, tenho milhões de projetos. Também já penso numa coisa grande para a TV depois de “Pé na cova”. Mas não vou deixar de ser ator. Quando quiser atuar, terei o teatro.

No segundo episódio de “Pé na cova”, Ruço entra em crise durante um aniversário. Envelhecer o assusta?

Envelhecer é normal. Quero estar bem para a minha idade. Não sou um um vaidoso histérico e não vou me deformar. Eu espero. Pode ser que amanhã eu esteja louco e deformado (risos). Quando foi a minha época de desfilar pelado no carnaval, eu fui. Não me privo. Já brinquei disso. O legal é mudar a brincadeira. Não vou ficar agarrado no mesmo galho sempre. Acho triste.

A passagem do tempo é mais cruel para quem está na TV e pode comparar sua imagem atual com a das reprises...

Tenho uma história boa sobre isso com a Maria (empregada de Miguel). Estava provando várias roupas, não gostava de nada, e jogava tudo no chão do closet. Ela veio, talvez pensando que depois teria que arrumar aquilo tudo, e disse: “Hoje nada vai ficar bom. Você tem que entender que a imagem mudou” (risos). Ela é sábia. Hoje sou uma pessoa diferente. Mas as minhas armas de sedução continuam aguçadas.

O seu humor também se mantém afiado a cada novo trabalho. Há uma preocupação em não soar politicamente incorreto?

Eu não me censuro em momento algum ao escrever. Olho o mundo dessa maneira. Eu gosto dos excluídos. E a comédia é a melhor maneira de mostrar a verdade das pessoas. Mas não quero agredir. O povo me conhece, já fiz muita coisa nessa vida. Se você der uma volta comigo na Lagoa vai ficar pasmo com a intimidade que as pessoas têm comigo. O cara chega contando que a sogra estava doente e que ele passou o réveillon em casa. Como vou falar para ele que fui para Londres? Entro na onda (risos).

Você é cria do teatro besteirol. Hoje, o humor busca talentos no stand-up. Gosta desses novos nomes?

O Marcelo Adnet eu acho talentoso. Um cara que fala para a geração dele.

Qual a sua opinião sobre um tipo de humor de uma turma politicamente incorreta representada por Danilo Gentili e Rafinha Bastos?

Achar que tudo pode ser piada é uma falta de conhecimento, de lastro. Este é mesmo um país sem lastro de nada. Eu gosto de piadas calcadas em observações inteligentes. Preciso saber que o cara leu alguma coisa para fazer humor.

Por que você classifica “Pé na cova” como bizarra?

As situações são bizarras, um humor vindo do grotesco. É o avesso do avesso, a coisa mais cruel que já fiz. Eles são desvalidos, não têm nada. Nem saúde, nem educação. Nem falar eles sabem. Aliás, como muita gente por aí. É um Brasil que a gente finge que não existe. Mas embora tenha crueldade, também há muito afeto. Tem um quê das crônicas que eu escrevia em O GLOBO (na coluna “Um coração urbano”).

Por que escrever sobre essas pessoas e situações?

O meu olho só se interessa por isso. Os meus pais eram intelectuais, mas sempre me permitiram olhar o mundo sem nenhum preconceito. Eu gosto daquelas mulheres debruçadas nas janelas do subúrbio dizendo coisas de uma forma que ninguém entende.

Você tira ideias de cenas desse cotidiano?

Eu gosto das frases colhidas como “é os que mais come”, que ouvi recentemente. Usei isso no texto. Tem uma cena da série assim: “Já viu preto em comercial de margarina? Não. Mas é os que mais come”. (risos)

Qual a sua intenção ao trazer um casal gay formado por Odete Roitman (Luma Costa) e Tamanco (Mart’nália)?

Fiz esse casal gay para falar de preconceito. Mas a gente é aborígene! Eu me senti no fim da humanidade na entrevista coletiva de lançamento da série no Projac quando o interesse dos jornalistas era apenas saber se teria ou não beijo gay. Isso aqui é um Paquistão (diz, em tom inflamado).

O gay na TV é mais aceito num contexto cômico?

Não tem como fazer “The L word” (série dramática sobre lésbicas de Los Angeles). Não há esse tipo de cidadania no Brasil. A gente tem anos a percorrer. Em “Pé na cova” quase não há toque. Elas não conseguem nem ficar juntas. Dá tudo errado no casamento, e as duas se separam no meio da série.

Existe algum paralelo entre as famílias de “Sai de baixo” e “Toma lá, dá cá” com a de “Pé na cova”?

O núcleo familiar é muito significativo. Quis mergulhar mais fundo na classe média do “Toma lá, dá cá”. Os Pereira, de “Pé na cova”, são mais estilhaçados, mas são adoráveis. Eles sabem que são esquisitos. Mas nada os choca nem os impressiona. A morte está ali ao lado.

Falar sobre e para a classe C se tornou um compromisso da TV. Foi uma preocupação agora em “Pé na cova”?

De certa forma esses personagens são da classe C. Mas eu faço piada com isso.


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