RIO - O rock dos 1980 estava vivo, mas já se tornava uma instituição quando, no início dos 1990, uma nova geração começou a renovar o cenário — propondo fusões do rock com gêneros como maracatu, hardcore, rap e forró. No Rio, Planet Hemp e O Rappa; em Recife, Chico Science e Mundo Livre S/A; em Brasília, Raimundos; e, em Belo Horizonte, Skank e Pato Fu — a mais radicalmente anárquica.
Em seu primeiro disco, batizado com o representativo nome de “Rotomusic de liquidificapum”, a banda (então o trio John Ulhoa, Fernanda Takai e Ricardo Koctus) apresentava essa anarquia em músicas como a faixa-título, uma colagem que passa por uma cantiga de ninar apocalíptica e o tema de “Os Flintstones”. E por “G.R.E.S”, um manifesto anticarnaval à la Pato Fu. O primeiro verso já é claro: “Não gosto dos G.R.E.S.”, uma referência à denominação Grêmio Recreativo Escola de Samba.
— Essa música vem de antes do Pato Fu, é de uma banda que eu e Ricardo tínhamos, o Sexo Explícito — lembra John. — A gente tinha uma postura ranzinza contra coisas muito populares, contra clichês (a letra diz “Mas em fevereiro/ Tenho que suportar os G.R.E.S./ O carnaval”). Algo que aparecia também na nossa estética musical, de difícil digestão.
O som do Pato Fu não se afirmava como “de difícil digestão”, mas certamente desafiava os clichês. A virulência de “GR.E.S” é temperada de humor, seja na letra (“Churrasquinho podro”), seja no arranjo (há gritos de puxadores de samba, e o último verso, que afirma categórico que “é uma imposição absurda”, é suavizado pelo canto num agudo de desenho animado).
— No Pato Fu sempre teve isso, tínhamos uma posição crítica com relação a várias coisas, mas jamais fomos panfletários — avalia John. — Não gostamos desse negócio do “vamos todo mundo junto falar a mesma coisa”. Nunca consegui participar dos movimentos, é fácil uma postura radical anticlichês virar um clichê do radical. Nunca conseguimos estabelecer rótulos para nossa música por isso: se somos mais eletrônicos, mais engraçados, mais pesados. Esse acabou sendo nosso jeito, e “G.R.E.S.” reflete essa nossa cara.
A quebra de expectativas, a provocação do arranjo desconectado do discurso, o uso de elementos surpreendentes — características da música do Pato Fu no geral —, estão sintetizadas nessa canção.
— Ela pega uma ideia que poderia ter uma carga negativa, mas que é tratada de um jeito esquizofrênico, não dá para simplesmente levar a sério.
John lembra um episódio anedótico que cerca a música:
— No Sul, eles usam a gíria grass para maconha. Chegaram a dizer por lá que “G.R.E.S.” era contra o fumo. Não sei o que é mais perigoso, arrumar briga com o pessoal do carnaval ou com o pessoal da maconha (risos).