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Silvio de Abreu fala do prazer de atuar como supervisor e relembra histórias de sua carreira

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SÃO PAULO - Silvio de Abreu não é daqueles autores que sofrem terrivelmente para escrever uma novela. Depois de 37 anos de experiência no ofício, ele ainda destaca o imenso prazer que sente ao pensar em histórias para preencher seis capítulos por semana do “entretenimento predileto do brasileiro”, em suas palavras. Mas exatamente por sua preocupação com esse gênero importante para a classe artística brasileira é que, nos últimos anos, Silvio tem se dedicado bastante ao trabalho de orientação de autores iniciantes.

Criador de clássicos do horário nobre como “Rainha da sucata” (1990) e “A próxima vítima” (1995) — em reprise atualmente no Viva —, ele faz agora a supervisão de “Búu”, novela de Daniel Ortiz programada para depois de “Geração Brasil”, a sucessora de “Além do horizonte” no horário das 19h da Globo.

Ortiz, que foi colaborador de Silvio em “Passione” (2010) e “Guerra dos sexos” (2012), conta que “Búu” é uma trama romântica, com pitadas de comédia. É a história de um médico médium que reluta em aceitar sua mediunidade.

Em seu escritório, no segundo andar do apartamento onde mora no bairro dos Jardins, em São Paulo, Silvio confessa que hoje prefere atuar como supervisor, lamenta a pouca atenção do público à segunda versão de “Guerra dos sexos”, seu trabalho mais recente na televisão, e fala de sua rotina — ele se define como um “funcionário público” enquanto está escrevendo uma trama, já que acorda às 6h30. Mas a comparação acaba aí: Silvio não bate ponto. Sua jornada só acaba depois que termina de escrever o capítulo inteiro.

— Tenho que escrever um por dia. Se não, no dia seguinte terei que escrever dois — diz.

Por que decidiu supervisionar “Búu”?

Fiz a supervisão de “Beleza pura”, da Andréa Maltarolli, em 2008. Depois, ela fez essa sinopse, e eu supervisionei. Aí ela faleceu (de câncer, em 2009). É uma sinopse de que gosto muito, mas não queria escrever. Queria que alguém escrevesse para eu supervisionar. Nós íamos fazer logo depois de “Passione”, mas a Elizabeth Jhin estava no ar com uma novela espírita e, como essa também tem uma parte de espíritos, embora mais na comédia, adiamos a trama.

Você tem se dedicado bastante à supervisão. Por quê?

Gosto muito de fazer. Atualmente prefiro até do que escrever uma trama original. Além disso, se as novelas não descobrirem novos autores, vão acabar como gênero. E esse gênero é o que sustenta a maioria da nossa classe artística. É o entretenimento predileto do brasileiro. Quero que novos autores apareçam porque é deles que virão novas ideias. É por meio dessa oxigenação que o gênero vai continuar.

E tem visto resultados?

Cada vez mais. Acho que a TV Globo abriu um campo muito grande para isso justamente porque os autores se prontificaram a supervisionar. A novela é um investimento financeiro muito alto. Tem implicações comerciais graves, com os anunciantes, merchandising. Você não pode pegar esse compromisso e colocar num caldeirão sem ter certeza se a sopa vai sair boa. E você não tem certeza com o autor iniciante porque não é só sentar e escrever. Isso é o mais simples. O mais difícil é lidar com a engrenagem imensa que é a TV Globo.

Como é, na prática, o trabalho de supervisão?

Quando eu faço uma supervisão, não quero colocar a minha ideia, quero a ideia do autor ali. Eu dou elementos para que ele a realize: de que maneira vai ser narrado? É melhor começar com qual personagem? Qual assunto? É melhor usar esse ator ou aquele outro? Tudo isso eu tomo conta e durante o trabalho eu vou ensinando. Evidentemente ele pode dizer “não quero ir por este caminho”. Aí, faz do jeito que quer e, quando vê que tem dificuldade, ele volta para mim (risos).

E, quando escreve uma novela sua, como é a rotina?

Sou funcionário público, levanto 6h30, tomo café, sento às 7h30 e começo a escrever. Vou até meio-dia. Minha mulher é psicóloga, tem consultório aqui perto, vem almoçar em casa. Umas duas horas depois subo aqui de novo e escrevo até terminar o capítulo. Isso é com a novela no ar. Até uns dez anos atrás, escrevia 30 capítulos antes de começar. Agora é até mais.

O que mudou?

O processo de trabalho dentro da TV Globo. A gente fazia a novela conforme era chamado, ficava sabendo em cima da hora. Hoje em dia, é tudo com muita antecedência. Com “Belíssima” (2005) e “Passione” já fiz assim. Estreei as duas com 70 capítulos escritos.

Não é muito?

Pois é, aí começam os problemas. Novela tem suas próprias leis. Ela só começa a existir quando entra no ar. Aí você vê se deu certo, se os atores combinaram, e vai adequando. Em “Belíssima”, tudo deu certo. O problema é que, quando chegou ao capítulo 60, eu já estava escrevendo o cento e pouco, a Fernanda Montenegro tinha caído de um penhasco e aparentemente morrido, a Cláudia Abreu tinha sido presa, levado umas facadas e estava no hospital, e a história toda ia para cima da Gloria Pires. E ela pegou hepatite. Tive que reescrever a novela toda, jogar fora tudo o que eu já tinha.

Aconteceu outras vezes?

Em “Passione” o problema foi diferente: fiz os 70 capítulos do mesmo tamanho dos de “Belíssima”. Mas por alguma razão ficaram grandes, com 5 páginas de excesso. Tive que pegar todos e ir cortando as partes certas, até porque não queria perder os ganchos de comerciais. Eu sou da linha antiga, tem que ter um “tchan tchan!” (risos). Esse negócio de alguém dizer “me dá um cafezinho” e entrar o comercial não é comigo.

É muito mais difícil escrever uma nova versão de uma novela sua, como foi o caso de “Guerra dos sexos”?

Muito, porque a minha cabeça é outra. Eu não sou a mesma pessoa que era há 30 anos. E a maneira de focar o assunto da novela foi diferente do que era há 30 anos. Mas as pessoas não entenderam isso, não perceberam. Eu achava a novela divertidíssima, os atores ótimos, todos gostavam de fazer.... E o público ignorou a novela. Por quê? Até hoje eu não sei.

Acha que hoje há uma dificuldade maior no horário das 19h?

Até acho que sim, mas hoje, para ter uma novela com muita audiência, tem que agradar a todas as classes. E se não tiver classe C, perde muito. Hoje em dia vejo que novelas que se apoiam num assunto profissional não agradam mais ao público. Todo mundo quer ganhar dinheiro na loteria, ir ao baile funk e curtir a vida. Não era assim nos anos 1980, a época dos yuppies. Trabalhar numa grande firma era um sonho. Daí vinha a rivalidade entre o homem e a mulher. “Guerra dos sexos” é uma novela centrada numa competição profissional e não pessoal.

Como é a sua relação com os atores?

Quando começo a fazer uma novela, parto dos atores, sempre. Há aqueles de que gosto mais, mas procuro sempre dar a eles personagens diferentes do que já fizeram. Um dos meus critérios é: quero trabalhar com Fulano, mas tenho um papel novo para ele? Se tiver que repetir, boto logo a mesma, como fiz com a dona Armênia. Queria um personagem para a Aracy Balabanian em “Deus nos acuda” (1992). Era a dona de um prédio, tinha uns filhos... Aí pensei: “Mas é a dona Armênia” (personagem criada originalmente para “Rainha da sucata”). Então ponho ela de novo. Não engano ninguém, é mais honesto.

Acompanha as gravações?

Tenho prazer enorme de ir ao estúdio. Sou um dos poucos autores que fazem isso. Acho que a farra está lá, né? (risos). Gosto de conversar com os atores. E quero que as pessoas que trabalham comigo tenham o mesmo prazer. Prefiro que o ator leia e recuse do que faça de má vontade.

Isso já aconteceu?

Claro, do ator ler e dizer “prefiro não fazer”. Acho ótimo, assim pego alguém que queira. Detesto ator que vem fazer por fazer, de qualquer jeito. Porque para mim é importante. Cada personagem que eu coloco no papel. Eu nunca abandono um ator, nunca. Se ele entrou ali, eu escolhi. E se ele confiou em mim, minha obrigação é fazer com que ele tire algo do trabalho. Uma coisa que me deixa morto é quando um ator faz sucesso, aí vem trabalhar comigo e não faz. Para mim, é como se tivesse estragado a carreira da pessoa! Fico muito preocupado, é horrível, uma aflição. Várias vezes já pedi desculpas.

Que personagens você considera seus maiores acertos?

Isso é fácil falar porque eu gosto muito do que eu faço (risos). Minha primeira novela, “Éramos seis” (exibida em 1977 pela TV Tupi), já foi especial porque a Dona Lola era minha mãe. Apesar de a trama ser baseada num livro, adaptei muito para a história da minha família. E nós éramos seis também, quatro irmãos, meu pai e minha mãe. Além disso acho Bimbo e Charlô de “Guerra dos sexos” excelentes, a Maria do Carmo e a Laurinha Figueroa de “Rainha da sucata”, além da dona Armênia, uma personagem muito feliz. Aliás, assisti à novela no Viva e gostei demais. Fiquei orgulhoso. Até esqueço. Penso: “Nossa, fiz isso?”. Agora estou achando “A próxima vítima” ótima também. Gosto demais da novela. Há trechos dela que até hoje acho incrivelmente surpreendentes.

Quão difícil foi manter o segredo até o fim?

Só consegui porque não contei para ninguém. Nem para minha mulher e minha filha. Com a novela no auge, o Boni, chefe na época, me chamou e disse: “Você tem que me falar!”. Não falei. Gravamos a cena final às 19h, no estúdio do Jardim Botânico, e foi ao ar às 20h30. A gente se trancou no estúdio, e aí dei os roteiros para os atores. Mas na época não existia celular nem internet, ?

Hoje seria bem difícil...

É cada dia mais difícil. Fiz a mesma coisa em “Torre de babel” (1998) e já foi diferente: tive que revistar os atores por causa dos celulares. Hoje, se gravar às 19h, às 19h05 está na internet. Não sei qual é o gosto de fazer isso. E vou dizer, acho que é uma falta de respeito. Quando os jornalistas falam de um filme, respeitam o segredo. Quando é novela, não. É por quê? Por que é popular?

E quais foram os seus maiores erros?

“As filhas da mãe” (2001) foi um problema grave. Depois que eu já escrevi 30 capítulos, estou envolvido, vai para o ar e o público não gosta. Como vou sair dali? A novela tinha uma estrutura rígida, era feita por comediantes. Não tinha aquilo a que o público estava acostumado, a mocinha, o galã. Era contada por rap. O problema era que não tinha como mudar. Não foi uma questão de vaidade, mas de incapacidade. Aquela ideia era para ser contada daquele jeito. Se o público não gostou, está errado, era para gostar. A culpa é minha.

Qual foi a solução?

Optamos por fazer a novela mais curta. Havia muita coisa ali que eu ainda queria fazer. Planejei todo um romance da Regina Casé com o Tony Ramos e nem cheguei perto de desenvolver.

Houve outros casos assim?

“Torre de babel” era polêmica, mas foi diferente. Percebi que o público não se interessava porque não sabia quem era bonzinho ou o mau. Então era só explicar. Fiz isso, a novela pegou e foi um sucesso. Aquela história que inventei da explosão do shopping para tirar os personagens foi besteira da imprensa. Isso estava previsto desde a sinopse.

Gosta de trabalhar com colaboradores?

Tenho dois porque não sei lidar com muita gente e me dá nervoso. Mas dois bons. Não trabalho com gente que está começando. Acho que até chegar a uma novela das 21h, a pessoa tem que gramar muito. Meus colaboradores, em geral, são pessoas muito tarimbadas. Porque quando a novela é minha tenho muito problema para resolver, a pessoa precisa ter experiência. Nem coloco colaborador, eu coloco “escrita com”.

Acredita na função social da novela?

Novela é entretenimento, feita para fazer sucesso. Agora, se dentro disso você colocar temas importantes inseridos na trama e não forçados, ótimo. Hoje há muito autor dizendo: “Vou falar sobre isso”. Fala e depois some. Não se toca mais no assunto. Porque dá manchete. É mais para sair no Twitter, no jornal, do que para fazer um bom trabalho. Mas não acredito que novela mude a cabeça de alguém. Ela é assistida no meio da casa, com as pessoas falando, telefone tocando, cachorro latindo, bife fritando. Por isso, a novela tem que ser repetitiva, as pessoas não prestam muita atenção. E quem presta, reclama. Aí está a arte: falar a mesma coisa de jeitos diferentes. Você atinge quem não ouviu e não aborrece quem já sabe.

Críticas irritam você?

Hoje em dia os críticos têm o hábito muito ruim de, em primeiro lugar, ver quanto deu de audiência. E audiência não tem nada a ver com qualidade. Se fôssemos fazer só o que o público quer, até hoje estaríamos escrevendo “O direito de nascer”. Graças a Deus, a gente ousa, erra e acerta. Acho que é preciso pensar melhor no que se escreve porque pode não influenciar quem faz, mas fica na cabeça de quem assiste. E, sim, irrita muito quem faz (risos).

O modo de ver TV mudou com a internet. Isso interfere no trabalho do autor?

Nada. Evidentemente mudam alguns temas. Se uma novela tinha carta escondida, hoje o e-mail é que vai estar perdido. Você adapta, mas as histórias de amor, encontros e desencontros, continuam. O veículo de comunicação muda, mas a maneira de escrever, não. As pessoas querem um amor, a amiga traidora, alguém que quer passar a perna no trabalho, tudo é igual. Seja no caderninho ou na internet.

Já tem novela sua prevista para depois da supervisão?

Por enquanto, não. Tem muito autor das 21h, não estão precisando de mim (risos)! É verdade, antes éramos três e tínhamos que fazer uma atrás da outra! E a coitada da Janete Clair, que terminava uma na sexta e na segunda estreava outra? Não tenho mais idade para isso, estou com 71 anos. velhinho (risos).


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