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Eduardo Coutinho estava finalizando filme sobre jovens de escolas públicas

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RIO - Cineasta prolífico, Eduardo Coutinho estava finalizando mais um documentário. O diretor, assassinado neste domingo aos 81 anos, já havia terminado as filmagens de "Palavra", iniciadas em novembro de 2013, sobre adolescentes do terceiro ano do ensino médio de escolas públicas cariocas. A continuidade do projeto caberá ao produtor executivo do longa e também documentarista João Moreira Salles.

A edição do documentário, que trata do universo destes jovens, estava prevista para começar no próximo dia 17, conforme a montadora Jordana Berger, responsável por esta etapa do projeto e parceira profissional de Coutinho há mais de dez anos.

O próprio Coutinho definiu a empreitada, no texto de apresentação do projeto:

"Este é um filme sobre a conversação (troca de palavras), a forma mais natural da linguagem, baseada na interação entre dois ou mais interlocutores situados face a face. Registrada por uma câmera, a comunicação depende, mais que nunca, da interação entre dois sujeitos: o personagem diante da câmera, o diretor, do outro lado. Escolhi, como personagens do filme, jovens matriculados no terceiro ano do ensino médio em escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. O tema das conversações não será a educação, ou questões pedagógicas. Trata-se de que cada um fale de seu cotidiano, incluindo trajetórias pessoais e familiares, expectativas e visões de mundo, sempre baseado em questões concretas. No fundo, o filme terá dois temas: o assunto de que se fala, baseado em histórias de vida e de projetos, e as formas comunicativas, linguísticas (e performáticas) em que os personagens e o diretor estabelecem a interação indispensável em qualquer comunicação face a face. Para acentuar o caráter auto reflexivo do filme (ou do “jogo”), o diretor, tanto quanto for conveniente, se colocará como uma espécie de marciano recém-chegado ao planeta (ou, de certa forma, como uma criança de três, quatro anos). Nessa condição, ele perguntará ao interlocutor o que ele pensa quando fala dos lugares-comuns que permeiam nossa existência (família, amizade, amor, honra, status, preconceito, estudo, trabalho, dinheiro, amor, sexo, doença, morte, religião, etc.)".

DVD de 'Cabra marcado para morrer'

Este não é o único projeto que Coutinho deixa em aberto. O crítico Carlos Alberto Mattos esteve com o diretor na semana passada, durante a gravação do seu depoimento para os extras do DVD de “Cabra marcado para morrer”, que será lançado pelo Instituto Moreira Salles ainda este ano. O filme, sobre as histórias em torno do assassinato de um líder camponês na Paraíba, começou a ser realizado por Coutinho no início da década de 1960, mas retomado quase 20 anos depois e foi lançado em 1984.

— Ele estava frágil fisicamente, mas de muito bom humor, brincando e falando bastante. Nos comentários para o DVD, ele falou bastante sobre a época da ditadura e das torturas do governo militar. E ele também lembrou das tragédias pelas quais a família da Dona Elizabeth (viúva do camponês assassinado de "O Cabra...") passou — diz Mattos, para quem o filme “sintetiza todos os ideais de um documentário no Brasil, que é trabalhar a história do país, a intimidade das pessoas e o cinema, tudo numa amálgama só”. — Um fato que ele fez questão de tratar foi em relação à história de um filho que matou o irmão. Ele estava muito interessado em sublinhar essa tragédia, é como se alguma coisa sensorial estivesse antecipando a tragédia que iria acontecer.

O crítico cinematográfico José Carlos Avellar, que também esteve com Coutinho na quinta-feira, gravando a faixa comentada do DVD, relembra:

— Nos conhecemos desde a época do “Cabra”. Ele foi redator no Jornal do Brasil na época em que eu era crítico. Ele se renovou muito. Depois de ter feito um filme fundamental para o cinema, o “Cabra Marcado para Morrer”, ele se renovou com o “O fio da memória”, mais uma vez com o “Santo forte”, e depois com o “Edifício Master”. Ele tinha uma relação de pessoa com pessoa, um exemplo de tratamento que influenciou não só o documentário brasileiro, como de vários países. Por exemplo, no “As canções”, há um momento em que um personagem chora. Não vemos o choro. Só ouvimos, e depois vemos o homem indo embora. O Coutinho resolveu não expô-lo, porque não era o que buscava. Ele ficava parado, esperando até a pessoa começar a falar. Não é preciso contar nenhuma história por trás da filmagem para ver que existia uma confiança recíproca. Nos filmes dele, o que interessa é o outro, a pessoa que está sendo filmada. Essa generosidade do Coutinho é única.


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