SÃO PAULO - A mais conhecida artista dedicada à performance, a sérvia Marina Abramovic, de 67 anos, apresentará trabalhos inéditos em março de 2015 em São Paulo, no Sesc Pompeia e no Sesc Belenzinho, numa grande retrospectiva de sua obra. Na mesma época, fará a estreia mundial de um documentário realizado durantes suas viagens de busca espiritual pelo país, dirigido por Marco Del Fiol e Cauê Ito e intitulado “The current” (A corrente, em tradução livre).
A artista radicada em Nova York esteve na capital paulista entre quinta-feira e sábado para escolher os locais onde irá apresentar sua obra. Também se reuniu com performers brasileiros, pois planeja ser a curadora de artistas locais cujas obras serão exibidas no mesmo período. Ao que parece, março de 2015 será o mês da performance em São Paulo, com a presença e o comando de sua mais célebre representante.
— A intervenção que estou planejando fazer em março de 2015 aqui no Brasil é revolucionária. Não é apenas mais uma exposição. Já fiz tantas. Não estou interessada em fazer algo normal e dentro das expectativas. É por isso também que não escolhi fazê-la em algum museu. Preferi o Sesc, porque vi que o conceito desta organização tem muito a ver com o instituto que tento criar em Hudson, no estado de Nova York. Meu instituto é sobre como criar a combinação entre arte, ciência e novas tecnologias, assim como espiritualidade. Criar uma plataforma na qual o público possa experimentar coisas de forma profunda — disse a artista em entrevista ao GLOBO no prédio da administração central do Sesc.
Macacões brancos para os visitantes
Marina divide a exposição no Brasil em duas partes, em dois espaços diferentes, cada uma montada num dos espaços expositivos. Segundo a artista, os locais atendem ao conceito complexo que está criando.
— Minha primeira impressão do Sesc Pompéia é de uma fábrica de energia humana. Vê-se um público de todas as idades, categorias, religiões ou raças. Há uma circulação constante. O lugar corresponde à minha ideia de performance, porque performance é sobre o imaterial, é sobre experiência — afirma. — Quero criar lá o que chamo de método Abramovic, um sistema de exercícios, de participação do público no trabalho. É como um laboratório. Você entra no Sesc Pompeia e será instruído a tirar suas roupas, o que criará uma espécie de democracia entre as pessoas, porque todos irão vestir macacões brancos de laboratório. Os visitantes deixam de ser observadores para se tornarem experimentadores. Depois disso, as pessoas irão ao guarda-volumes, deixarão nos armários celulares, iPods, computadores, dinheiro, tudo. Só depois disse poderão experimentar o trabalho, participar dele. Além disso, planejo fazer uma curadoria de jovens performers brasileiros. Quero mostrar aos brasileiros o que penso sobre performance.
Marina conta que vai comissionar trabalhos inéditos da mostra de performance brasileira com sua curadoria também no Sesc Pompeia, ao lado de uma apresentação dos aspectos históricos da performance, com “uma espécie de biblioteca multimídia para pesquisas”. No Sesc Belenzinho, serão apresentadas suas obras de 1968 aos dias atuais, incluindo algumas concebidas no Brasil. Desde 1989, Marina vem com frequência ao Brasil. Conta ter criado muitos trabalhos aqui, apesar de eles sempre terem sempre sido apresentados fora. Num primeiro momento, seu foco era pesquisar a energia de minerais. Atualmente, sua busca é por pessoas.
— Fui aos lugares mais remotos, lugares aos quais você provavelmente nunca foi. No ano passado, vim ao Brasil fazer o documentário. Foi muito importante para mim. Fiz uma pesquisa de dois anos buscando lugares que tenham poderes energéticos, tais como cacheiras, formações rochosas, montanhas. E também pessoas que possuem poderes, tais como João de Deus, rituais indígenas, ayahuasca. Quis aprender mais sobre energia e espíritos e como poderia incorporar essas descobertas em meu próprio trabalho. Não acredito que tantos artistas europeus ou estrangeiros tenham feitos tantos trabalhos no Brasil quanto eu. Agora é a hora do público brasileiro vê-los.
Desejo de diálogo direto
Por toda sua vida, Marina esteve em busca de espiritualidade. Viveu com aborígenes na Austrália Central durante um ano, trabalhou durante mais de 25 anos com monges no Tibet, fez retiros na Índia.
— Agora meu foco está no Brasil. A partir de todas essas culturas diferentes, tenho aprendido a trabalhar comigo mesma. Performance é energia, não é pendurar um quadro na parede. E energia é invisível, é imaterial. Aprendo com tudo que possa aprender. E há grandes possibilidades aqui, vindas de diferentes fontes.
Nessa busca incessante pela transcendência, ela afirma que sua fé está na arte.
— Não sou religiosa, não gosto de instituições. Mas acredito nas forças energéticas da natureza e que elas se manifestam em todos os lugares. Também acredito em realidades paralelas. Acredito profundamente em espiritualidade. Acredito que todo artista tem um aspecto espiritual em seu trabalho. Artistas são transmissores de energia e o público precisa estar aberto para que essa força chegue a ele.
A artista conta que não passa seu tempo no computador e acha que os jovens, por sua vez, acabam tendo contato emocional limitado porque a comunicação virtual é muito intensa. Ela avalia com ceticismo o atual estado da sociedade.
— Acredito que a estrutura de nossa sociedade passa por uma grande crise em diversos lugares do mundo. Tem a ver com consumismo, vazio, a perda do centro espiritual das pessoas. Há uma enorme necessidade por algum tipo de satisfação, especialmente entre os mais jovens. O desenvolvimento da tecnologia é desastroso, porque nos perdemos fazendo todo tipo de coisa, Twitter, Facebook, Instagram.
Diante desse atual estado de coisas, Marina não acredita que a arte possa transformar o mundo. Mas crê em seu poder de alterar consciência. Ela busca apresentar sua arte a um público mais vasto do que os usuais frequentadores de museus e galerias.
— Se o trabalho de um artista for capaz de influenciar apenas cinco pessoas em toda sua vida, já é um grande passo. Quero trabalhar com as pessoas, e não com a elite cultural. Museus são lugares onde essa elite cultural vai, mas as pessoas normais não vão. Quero falar com quem trabalha nas ruas, com quem joga futebol. É esse o tipo de público que quero atingir, ver como posso transformar suas vidas. A performance tem esse frescor e a possibilidade de um diálogo direto que outras formas de arte não tem. É um diálogo de energia. Se é boa performance, pode realmente mudar sua vida. Se é ruim, vai apenas irritá-lo — conclui, entre risos.