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Cauã Reymond e Murilo Benício falam da amizade, do ofício de ator e da volta à TV após ‘Avenida Brasil’

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RIO - Murilo Benício, sisudo, termina de desenhar um avião num papel à sua frente quando chega Cauã Reymond, pedindo desculpas pelo atraso. Ao avistar Murilo, já sem a espessa barba do personagem da minissérie “Amores roubados", exclama:

— Aí, dez anos mais jovem!

Murilo então se levanta, entusiasmado, e os dois se cumprimentam efusivamente. A prosa envereda para o lado artístico. Comentam as peças da Broadway, trocam impressões sobre os indicados ao Globo de Ouro e elogiam a performance de Cate Blanchett no último longa de Woody Allen, “Blue Jasmine”.

A dupla só para de falar durante as fotos. Mesmo assim, trocam olhares de cumplicidade o tempo inteiro. A empatia não é de hoje. “Amores roubados”, que estreia amanhã, após “Amor à vida", marca o terceiro encontro televisivo dos dois. Os atores já contracenaram em “A favorita” e, recentemente, viveram pai e filho em “Avenida Brasil”. A amizade, conta Cauã, vem atrelada à admiração mútua. Há pouco, ele declarou que considera Murilo o melhor ator em exercício na TV.

— Ele é talentoso, sensível e tem inteligência cênica, além da experiência, o que ajuda bem. Eu e Murilo temos formas semelhantes de trabalhar e aprendi muito contracenando com ele — elogia Cauã.

Em “Amores roubados” não faltaram chances para que os laços se estreitassem mais. Com a maioria das cenas gravadas em Petrolina (PE) e Paulo Afonso (BA), o elenco passou um bom tempo imerso na atmosfera do sertão. Cauã, por exemplo, ficou 98 dias em função da série.

A história sobre o poder da paixão, escrita por George Moura, é adaptada do romance “A emparedada da rua nova”, do pernambucano Carneiro Vilela (1846-1913). Nela, Leandro (Cauã) é um Don Juan, filho de uma ex-prostituta (Cassia Kis Magro), que retorna à cidade de Sertão como um sommelier. Conquistador, se envolve sexualmente com duas mulheres casadas, Isabel (Patricia Pillar) e Celeste (Dira Paes), e vive uma paixão romantizada com Antonia (Isis Valverde), filha de Isabel e Jaime Favais (Murilo), o dono da vinícola Vieira Braga.

— Leandro é filho de prostituta, criado por elas e, naturalmente, sabe o que as mulheres querem. Ele estuda cada uma antes de seduzir, é metódico — descreve Cauã, contando que se inspirou em um amigo para compreender a arte da sedução. — Ele é frio, não se apaixona. Sabe jogar o jogo, o momento certo de ligar. E fez de Leandro uma faculdade para mim.

Mas, na trama de dez episódios dirigida por José Luiz Villamarim, Cauã aparece não somente em picantes cenas de sexo, mas em sequências de ação, com direito a tiros e carros em alta velocidade. A maior parte do tempo, sem dublê.

— Estava há tanto tempo lá, que um dia estava de bobeira e pedi ao Zé para fazer a sequência da perseguição. A gente leva tiro, atira, bate. É outra energia, diferente das cenas de sexo, que são como um balé que a gente dança. E todo mundo fala da Isis, mas as cenas com a Dira são muito mais quentes. Ela é a nossa Sonia Braga — opina.

Pode não ter sido o romance mais picante em cena, mas o par formado com Isis foi o mais comentado fora dela. No meio das gravações, Cauã teve que lidar com notícias sobre um suposto caso extraconjugal com a atriz. Embora nunca tenha admitido, o ator confirmou ao GLOBO, recentemente, que está separado de Grazi Massafera.

— Eu nunca vou deixar esse tipo de coisa interferir no meu trabalho e me destruir, cara. É o que amo, . É o amor pela profissão, o que construí. Todas as escolhas que fiz. Não foi fácil e não veio de graça — desabafa.

Na minissérie, o prazer de Leandro em seduzir o leva ao perigo. Ao desconfiar de que está sendo traído, Jaime ordena que o rapaz seja morto. Para dar ao personagem a altivez necessária, Murilo usou botas com salto e deixou crescer a barba. O sotaque, conta, foi uma das partes mais difíceis no processo:

— Ele habita um universo sombrio. É um cara que manda matar. É a lei. Na minha cabeça, esse cara tinha que ser, no mínimo, do tamanho dos outros. Toda a densidade permitida no horário a gente usou. Mergulhei numa loucura com verdade, porque tinha profundidade.

Um entusiasta da profissão, Murilo acredita na escolha de um caminho não pensado, no desejo de surpreender o público com algo diferente.

— Um bom papel é sempre um bom papel. Mas quando você faz de um papel mediano algo surpreendente, é maravilhoso. Quando fiz o Tufão, não havia risco. Apesar de terem me vendido o personagem como uma roubada, o pior da novela, eu sabia o que estava fazendo — lembra Murilo, que não acredita que há atores melhores ou piores: — Há atores que não são atores, atores que se acostumam e atores que são mal dirigidos.

Já em “Amores roubados”, Murilo diz que a densidade do personagem é tamanha que o levou até a se questionar por que razão havia topado o convite de Villamarim.

— Com Jaime fui por um caminho completamente diferente. Entrei num rumo desconhecido. Fiz uma composição, algo de que gosto, e me arrisquei em um campo novo. Morri de medo, mas saí vencedor porque fiz com verdade. E isso me deu satisfação — defende.

Por isso, ao mesmo tempo que classifica o processo como “doloroso”, Murilo, 41, diz que o trabalho o fez relembrar por que investiu na profissão, há 20 anos.

— Quando entro para trabalhar, coloco um cinturão de briga. Tenho que mostrar por que há 20 anos faço milhões de coisas. Por causa dos riscos, dos acertos e dos erros que soube computar a meu favor. Por causa da maturidade que venho trazendo ao trabalho. Se não tivesse feito o Jaime da maneira que fiz, estaria me acovardando. É difícil, depois de tanto tempo de trabalho, se abrir para algo novo. Por isso, também, achei fascinante a presença de atores novos no elenco, eles trazem frescor ao set — analisa.

Depois de tanto tempo na frente das câmeras, o ator gosta de comparar cada papel a um pulo de bungee jumping: após o salto, apavorante, chega a parte do voo, compensadora.

— Há muito ator que não pula. Que chega num determinado momento da carreira e não quer se arriscar no precipício. E aí fica na mesmice ou fazendo algo para agradar ao público. Quanto mais você acerta, mais tem medo de errar. Mas eu estou na profissão enquanto me sentir artista. E fazer bem algo me faz sentir merecedor do que tenho — crê Murilo.

A teoria é compartilhada por Cauã:

— Eu pulo umas três vezes e ainda subo para pular de novo. É uma delícia esse friozinho na barriga, esse frisson.

Após personagens bem-sucedidos em novelas como “A favorita”, “Passione” e “Cordel encantado”, respectivamente, Cauã afirma que tem “fome artística” e que, com 33 anos, está no momento de produzir e de aproveitar as oportunidades que surgem. Mas, segundo ele, as escolhas são todas pensadas.

— Já sabia que faria a minissérie “O caçador”, mas aí, durante “Avenida Brasil”, Villamarim me avisou que “Amores” ia rolar. Liguei para a Globo e pedi para emendar. Eu tenho uma intuição viva, é natural. E acho que, após boas escolhas, passei a ser visto de forma diferente. Sinto que consegui sair do padrão, do lugar-comum — avalia ele, que começa a gravar a nova série amanhã.

Por mais que “Amores roubados" marque o retorno de Murilo e Cauã à dramaturgia após mais de um ano do fim de “Avenida Brasil", a dupla garante que a espera não foi proposital. O único pedido de Cauã foi não emendar outra novela. Já Murilo queria se livrar logo do estigma que cerca a trama:

— Por mim, eu apareceria na semana seguinte com um fracasso retumbante. Para acabar com essa história, esse mistério, a expectativa. Qualquer um que espere Adriana (Esteves) voltar com outra Carminha está redondamente enganado. Aquilo foi um acontecimento. Acabou. Mas as pessoas são ingênuas de esperar algo parecido. Adriana é uma grande atriz, mas falei: “Corre, vai fazer um fracasso. Porque a cada dia que passa, as pessoas cobram mais".

Apesar do teor diferente, “Amores roubados” guarda semelhanças com “Avenida Brasil”. Além dos atores, Villamarim dirigiu, junto com Amora Mautner, a novela de João Emanuel Carneiro. Aliás, a presença do diretor no projeto é motivo de orgulho para os dois atores.

— Apesar de o Zé ter me dirigido pouco em “Avenida”, temos uma empatia grande e intimidade cênica. Detesto diretores e autores que têm sempre o mesmo elenco e acho que outros colegas têm que ter a oportunidade de trabalhar com ele — elogia Murilo.

Para Cauã, a possibilidade de ter apenas um diretor durante todo o processo torna mais crível e mais intenso o arco dramático do personagem.

— O diretor conhece você. Sabe de onde você veio, para onde vai, se precisa diminuir ou aumentar a intensidade da cena. Por todos esses detalhes, “Amores” foi o trabalho mais artesanal que fiz. Foi muito especial.


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