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Enciclopédia sobre Morrisey e os Smiths chega ao Brasil

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RIO - No início, era um punhado de bandas de rock recusando o jogo milionário da indústria musical para manter suas visões peculiares e, com isso, a integridade artística. Hoje, o indie rock é um gênero musical em si, que prospera com grandes festivais (Lollapalooza, Coachella) e até mesmo selos dentro das gravadoras multinacionais. As raízes desse fenômeno podem ser detectadas no Reino Unido do pós-punk, com o EP “Spiral scratch” (1976), do grupo inglês Buzzcocks, e a criação, em 1980, do selo escocês Postcard (de bandas como Orange Juice e Josef K). Mas o grande estouro do indie se deu de fato com “The Smiths”, álbum de estreia do quarteto inglês de mesmo nome, que completa 30 anos de lançamento em 20 de fevereiro, mantendo intactos seu fascínio e mistério. Prova disso é o interesse despertado pelo lançamento, em outubro, da autobiografia do cantor Morrissey e, agora, a edição no Brasil da volumosa “Mozipédia”, a “enciclopédia de Morrissey e dos Smiths” compilada pelo jornalista inglês Simon Goddard.

Mesmo sem concordar com a reclusão do grupo da cidade de Manchester aos limites do indie (“que soa pequeno e paroquial para os Smiths, uma banda enorme e universal”), Goddard faz uma concessão:

— Talvez se possa argumentar que eles viraram os Beatles do indie porque foram as suas primeiras grandes estrelas.

Formados por Morrissey (um jovem poeta aficionado por cultura pop e presidente do fã-clube da banda americana New York Dolls) e Johnny Marr (guitarrista ainda mais jovem, mas de vasto e sofisticado conhecimento musical), os Smiths lançaram alguns singles de sucesso e, com seu primeiro álbum, chegaram ao segundo lugar das paradas inglesas.

— Lembro bem quando esse disco saiu, estava na loja trabalhando na hora em que ele chegou. A reação das pessoas foi incrível, apaixonada. Ele ficou tocando por vários dias ao fundo. Era bem diferente de boa parte do que rolava na época, era introspectivo e melancólico, sem muito a ver com a alegria e o colorido da new wave — relembra Nigel House, um dos donos da loja de discos e selo independente Rough Trade, que teve nos Smiths as suas grandes estrelas, antes de revelar outros nomes, como Belle & Sebastian, The Libertines e Palma Violets.

Com canções como “Still ill”, “Hand in glove” e “What difference does it make?”, embebidas em tristeza e dúvida, cantadas em tom operístico e com linhas de guitarra sentimentais, que mais remetiam ao rock e ao folk dos anos 1960 do que apontavam para o futuro, os Smiths angariaram um tipo bem específico de fã: o que ficava trancado no quarto, lendo livros e remoendo angústias e amores platônicos, enquanto o resto da turma ia às festinhas para beijar na boca.

— Os Smiths foram tudo para mim, porque eu era adolescente e eles eram a banda adolescente definitiva — diz Simon Goddard. — Se escuto suas músicas hoje, elas me lembram de como eu era, não de como sou. Os Smiths fizeram grande arte, mas não para quem tem 42 anos. Eles pertencem aos jovens.

O jornalista diz que optou por fazer da “Mozipédia” (lançada lá fora em 2009) um “experimento biográfico” dos Smiths para que “o próprio leitor cuide de juntar os pontos”.

— Quando era garoto, achava Morrissey um grande professor. Se ele pusesse alguém na capa de um disco (caso do ator de filmes de Andy Warhol Joe Dalessandro, que está na de “The Smiths”), isso fazia com que você tivesse vontade de descobrir quem ele era.

Livros para desvendar o cantor

No prefácio da “Mozipédia”, Simon Goddard vai logo avisando: “Morrissey, o artista, o homem, continua sendo um enigma”. Vegetariano, ex-celibatário, avesso a estereótipos sexuais e à imprensa, inimigo da monarquia: algo do pouco que se sabe ao certo sobre esse mito do rock alternativo. Em verbetes — alguns curtos, outros bem extensos — compilados a partir do que ele revelou em entrevistas diversas, o livro busca compor uma biografia do artista. Seja no que há de mais objetivo — nas vezes em que perguntaram se ele era gay, por exemplo — ou nem tanto — nas suas predileções, que incluem filmes, músicas, cantores e esportes. Mas, mesmo assim, admite Goddard, quanto mais a superfície do mistério de Morrissey é arranhada, “mais contraditório ele se torna, para confundir”.

A autobiografia, por sua vez, não colabora muito com o esclarecimento. Logo do seu lançamento, a imprensa destacou as partes mais suculentas, como a que fala do romance de dois anos que Morrissey manteve com um homem. Mas esse não é um livro de revelações. Na verdade, é bem mais de ataques — um tiroteio em que ele mira desde seus professores no colégio ao semanário “New Musical Express” (que, não obstante, elegeu recentemente “The Queen is dead”, dos Smiths, o maior disco de todos os tempos). Obra misantrópica, mas com prosa deliciosa (tanto quanto a poesia de suas músicas), que encantou até o crítico literário Terry Eagleton e que justifica com sobras o lançamento pelo selo Classics da editora Penguim.


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