RIO - Após o sucesso da comédia romântica “Apenas o fim”, que, com orçamento de R$ 8 mil, fez 25 mil espectadores nos cinemas, o diretor Matheus Souza, à época com 20 anos, parecia ser a galinha dos ovos de ouro da vez. Diversas produtoras lotaram a caixa de e-mails do jovem cineasta, que havia levado para casa os prêmios de melhor filme do júri popular tanto no Festival do Rio quanto na Mostra de São Paulo, atrás de produzir seu próximo sucesso. Porém, nenhuma delas quis ceder a seu humor ágil e repleto de referências ao mundo pop.
— Amo comédias, mas gosto daquelas que se arriscam. E, no Brasil, a comédia virou um negócio, um modelo pronto. Não queria fazer uma igual a outras muitas que estreiam todo ano — diz Matheus, hoje com 25 anos. — Fiquei perdido. Será que eu parto para o drama? Faço um filme de terror? Eu me olhei no espelho e disse para mim mesmo: “Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida”.
A frase que Matheus disse para si próprio se transformou no título de seu segundo filme, que estreou anteontem nos cinemas. A comédia conta a história de uma estudante de Medicina indecisa, que mata aula todos os dias enquanto tenta descobrir qual é sua verdadeira aptidão. E já que nenhuma produtora quis assumir o risco de investir em uma comédia pouco óbvia, o jeito foi rodar o longa no mesmo esquema de guerrilha do filme anterior. Toda a equipe de filmagem e os atores — dos protagonistas Clarice Falcão e Rodrigo Pandolfo às participações especiais de Daniel Filho, Nelson Freitas, Bianca Byington, Leandro Hassum e Gregorio Duvivier — trabalharam de graça. O filme custou algo em torno de R$ 20 mil.
— Me senti filmando “Transformers”, comparando com a verba que eu tive para fazer “Apenas o fim” — brinca o diretor carioca, também colunista da Megazine. — Financiei o filme com a grana de um roteiro que escrevi. Tive que parar de pagar minhas contas por uns três meses, e cortaram a luz da minha casa. Tentei explicar para o cara da Light que ele estava reprimindo o cinema nacional, mas não colou.
Os dias de apagão na casa de Matheus parecem estar contados. Em 10 de janeiro, ele verá estrear nos cinemas sua adaptação de “Confissões de adolescente”, sucesso do teatro e da TV nos anos 1990. Matheus é o roteirista do filme, que tem direção de Daniel Filho e Cris D’Amato. O longa conta a jornada de quatro irmãs que enfrentam ritos de passagem: o primeiro beijo, a primeira transa, o primeiro emprego, o primeiro fim de namoro.
— Daniel me deu carta branca para eu criar o que seria o “Confissões” dos tempos atuais. Então assistimos juntos às minhas referências do mundo jovem: “Superbad”, “Girls”, “As vantagens de ser invisível”... Imagina a cena? — ri Matheus, que também ouviu o que seu mentor tinha a dizer e fez diversas versões do texto, antes de chegar ao projeto final. — O primeiro tratamento do roteiro tinha 140 páginas. Era um “Senhor dos Anéis” da adolescência. Aos poucos, fomos enxugando. Queríamos que o filme tivesse o mesmo impacto que a série teve nos anos 1990.
Conbersas com meninas
Preocupado em não estereotipar o universo feminino, Matheus entrevistou dezenas de meninas com idades entre 13 e 20 anos. Ele fez perguntas sobre família, amor, drogas, escola, bullying, sexo. E chegou a se espantar com as respostas que recebeu.
— Percebi que a maior parte das meninas é muito desconfiada e não conta tudo nem para a melhor amiga — analisa o roteirista, que já tinha adaptado e dirigido uma versão de “Confissões de adolescente” para o teatro, em 2009.
De “Apenas o fim” para cá, Matheus estrelou e dirigiu as peças “Stand up” e “As coisas que fizemos e não fizemos”. Ainda no teatro, interpretou Deus em “Apocalipse segundo Domingos Oliveira” e, na TV, roteirizou (junto com Bruno Bloch) e dirigiu a série “Vendemos cadeiras”, do Multishow. Apesar de ser uma espécie de consultor para assuntos jovens, ele rejeita o rótulo de voz da sua geração:
— Tenho que falar sobre o que está à minha volta, o que acontece com os meus amigos, porque só posso atingir as pessoas se falar com sinceridade. Então acabo escrevendo muito sobre a minha geração. Adoraria fazer um filme como “Amor” (de Michael Haneke), mas sei que ficaria horrível.
Em 2014, Matheus dirigirá sua primeira grande produção, mas sem abrir mão da liberdade criativa. Com o nome provisório de “Servidor não encontrado”, a comédia terá produção da Conspiração Filmes. O roteiro, também seu, se passará em um período fictício em que o mundo ficou sem internet.
— Só que, um dia antes disso, um casal se conheceu e se apaixonou. Mas eles não trocaram telefones, só se adicionaram no Facebook, então terão que sair em uma jornada para se encontrar, em meio a esse mundo caótico — explica ele.
Mais um filme de baixo orçamento
Antes de embarcar no maior projeto de sua vida, porém, o cineasta filma, na segunda quinzena de janeiro, no Rio, a última parte de sua “trilogia de baixo orçamento”: o “bromance” “Tamo junto”. A equipe também será composta por amigos, e Matheus promete piadas “sem censura”.
— Quero me arriscar bastante — garante ele, com a intenção de concluir no ano que vem a trilogia que começou com “Apenas o fim”. — Ela é baseada nos filmes que marcaram minha adolescência. O primeiro tinha muito de Woody Allen e “Antes do amanhecer”. Já “Eu não faço a menor ideia...” homenageia personagens femininas que me marcaram, como Amélie Poulain e Charlotte, de “Encontros e desencontros”. Este terceiro tem a ver com as comédias americanas, tipo “American pie”, “O virgem de 40 anos” e “Penetras bons de bico”.