RIO - O ano que começou com uma perspectiva de corte de um sexto no orçamento da Secretaria municipal de Cultura termina, agora, com o secretário Sérgio Sá Leitão assinando cinco convênios de quatro anos de duração com entidades escolhidas por ele e sua equipe. Por terem “excelência e público”, a Companhia de Dança Deborah Colker receberá R$ 2 milhões por ano; a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), R$ 6 milhões; o AfroReggae, R$ 3,5 milhões; o Grupo Tá na Rua, R$ 1 milhão; e a Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), R$ 460 mil. No total, só neste ano, foram distribuídos, entre os cinco grupos, R$ 13 milhões — um terço do que foi disponibilizado pela secretaria no edital de fomento à cultura da cidade (R$ 33 milhões).
Sá Leitão diz que se trata de investimento em “ações de continuidade”, que projetam a imagem do Rio, e argumenta que os R$ 13 milhões não saíram do orçamento da pasta (que foi, em 2013, de R$ 179 milhões), e sim de “créditos suplementares” liberados pelo prefeito Eduardo Paes sob demanda da secretaria. “Crédito suplementar acontece quando há excesso de arrecadação de impostos”, ele diz. Por outro lado, ficaram para 2014 o lançamento do novo modelo de gestão dos teatros cariocas e a reforma desses 11 espaços — anunciada como prioridade logo após o incêndio da boate Kiss, em janeiro, no Rio Grande do Sul. Na época, o secretário afirmou que já havia R$ 6,4 milhões separados para as obras.
Nos últimos dias, o Diário Oficial do Município publicou uma série de convênios da secretaria. Do que tratam?
São cinco convênios, que somam R$ 13 milhões. Até dezembro de 2016, o AfroReggae receberá, por ano, R$ 3,5 milhões para levar adiante seu programa de formação cultural nas comunidades. A OSB terá R$ 6 milhões anuais para fazer um número determinado de concertos gratuitos e apresentações fora de sua sede. A APTR contará com R$ 460 mil, também por ano, para ampliar a campanha “Teatro para todos”, que tem ótimos resultados na democratização do acesso à cultura. Até dezembro de 2017, o Grupo Tá na Rua receberá R$ 1 milhão por ano para organizar uma programação com grupos de arte de rua de toda a cidade. E a Cia. Deborah Colker, R$ 2 milhões por ano, para fazer espetáculos e ampliar seu espaço de formação.
Mas a companhia da Deborah já tem patrocínio anual de R$ 2,7 milhões da Petrobras.
Sim, mas é dela a companhia de dança sediada no Rio com maior alcance e repercussão. Ela tem o trabalho mais reconhecido da cidade pela qualidade e pelo público. Nos últimos tempos, dialogamos com o coletivo da dança e decidimos apoiá-la. O fato de ela já ter o patrocínio da Petrobras só valida essa percepção de que ela é um expoente.
Sozinha, a Cia. Deborah Colker receberá por ano metade do que todo o setor de dança do Rio disputou em 2013 (R$ 4 milhões)...
A cidade precisa de volume de produção e excelência. Apoiamos ambos. Os editais atendem à pluralidade. Os convênios, à excelência. Com eles, queremos instituições capazes de competir com as melhores do país. Em 2013, colocamos R$ 8 milhões na dança. Foram R$ 4 milhões no edital, R$ 2 milhões para o Centro Coreográfico e R$ 2 milhões nessa companhia de excelência.
E de onde veio o dinheiro dos convênios?
Tivemos, em 2013, o maior orçamento executado da história da secretaria. Em 2011, foram R$ 199 milhões. Em 2012, R$ 182 milhões. Agora, R$ 223,5 milhões. Ou seja, tivemos R$ 44,5 milhões a mais do que o previsto para investir graças a repasses feitos pelo prefeito Eduardo Paes.
Então sobrou dinheiro?
Sobrar é maneira de dizer. Tivemos créditos suplementares liberados pelo prefeito, que comprou muitas das propostas que apresentei. Crédito suplementar é um excesso de arrecadação na cidade, algo que está para além do orçamento.
Esses convênios de quatro anos não comprometem o orçamento do próximo prefeito?
Não. O pagamento daqueles que vão até dezembro de 2017 será feito em dezembro do ano anterior. Ou seja, o sucessor do Eduardo Paes vai ter um ano de Deborah e de Tá na Rua de graça (risos).
Voltando aos repasses, feitos pelo prefeito... R$ 13 milhões foram para os convênios. E os outros R$ 31,5 milhões?
Investimos R$ 8,8 milhões em mostras, festivais e prêmios, R$ 1,6 milhão em medidas contra incêndio nos espaços culturais e R$ 2,8 milhões em projetos herdados da gestão anterior. Os R$ 18,3 milhões restantes vieram do Ministério da Cultura para o Programa Cultura Viva Carioca.
E quando sai o novo modelo de gestão dos teatros municipais?
Há um mês mandei o novo modelo para análise da Procuradoria Geral e do Tribunal de Contas do Município. Ainda não tive retorno. Mas a proposta é a seguinte: como ocorre na França, o gestor também assumirá a parte administrativa do teatro.
Como funcionará então?
O subsídio da prefeitura está garantido, mas vamos estimular os novos gestores a ir atrás de patrocínio, leis de incentivo e parcerias. Se eles conseguirem apoio, um terço do valor obtido na iniciativa privada deverá ser investido no próprio espaço, um terço poderá ser computado como receita e um terço será abatido do subsídio concedido pela prefeitura. É um cenário interessante para todo mundo. É receita para mim e para eles.
Outras mudanças?
O contrato será mais amarrado. Haverá metas a serem atingidas. Mas quem vai fixar o modo como será avaliado é o próprio gestor, ao se inscrever para o edital. Lá, ele vai sugerir a forma de avaliação mais adequada ao perfil de seu projeto: por taxa de ocupação, número de espetáculos, respaldo da crítica... E vai estabelecer as próprias metas. Também queremos que 50% das datas de um teatro sejam ocupadas por outros produtores.
Isso ainda vai a consulta pública? Como ficam os gestores com contrato até março?
Se até o fim de janeiro esse novo modelo não estiver em consulta pública, vou prorrogar por seis meses os contratos. Não vejo problema.
E quando saem as reformas das salas?
Elas serão feitas já com os novos gestores. A RioUrbe já está cheia de obras: Transolímpica, Transcarioca, Perimetral... A maneira que encontramos para agilizar as reformas dos teatros é repassar os recursos para os novos gestores. Eles são os que mais sabem das necessidades dos locais.
O orçamento já aprovado da secretaria para 2014 caiu. Onde haverá cortes?
Independentemente do que diz a Lei de Orçamento aprovada na Câmara, o prefeito nos prometeu um orçamento igual ao de 2013, acrescido de 5,85% de correção. Em tempos de Copa e Olimpíadas, defender esse orçamento é uma tática de sobrevivência.