Quantcast
Channel: OGlobo
Viewing all articles
Browse latest Browse all 32716

Lucas Vasconcellos solta a voz e pesquisa sonoridades diferentes em disco solo

$
0
0

RIO - Lucas Vasconcellos conta rindo que quando ele e Letícia Novaes, sua parceira no duo Letuce, terminaram em abril um namoro de seis anos, ouviu de sua mãe: “Você não para com nenhuma menina, vai morrer abraçado com a sua guitarra”.

— Este ano foi isso mesmo, me abracei com meus teclados, minhas guitarras, minhas baterias — diz Lucas. — Tem o meu encontro na solidão com meus instrumentos.

O resultado do abraço está em “Falo de coração”, primeiro CD solo de Lucas, que além do Letuce integrou projetos como o Binário e tem se mostrado um dos instrumentistas e produtores mais criativos de sua geração, em trabalhos com artistas como Katia B, Lucas Santtana e Rodrigo Amarante. Um álbum doído sobre separação, portanto? Letras de canções como “Eu não vou chorar por fora” permitem pensar assim. Mas essa é apenas uma das leituras possíveis, alerta o compositor.

— É perigoso pensar: “Lucas se separou e fez um disco”. Porque isso reduz o disco absurdamente. “Falo de coração” pode soar legal num viés político, ecológico, não necessariamente como um álbum triste de separação. Não o vejo assim — diz.

As formas de entrar em “Falo de coração” são muitas, realmente. A busca de sonoridades concentra e potencializa o que Lucas tem feito em seus outros trabalhos. Baterias soltas da marcação de ritmo, a classe de um Tom Jobim ou de um João Donato, a espacialidade do Clube da Esquina, fado sobre ritmo eletrônico, solos de charango numa ambiência pop, metais de cool jazz.

— Ter um estúdio me ajudou. Este CD não foi feito no esquema de juntar as pessoas e gravar. Foi feito esmiuçando meus HDs. Tem takes de bateria de 2007 (Bernardo Pauleira solto em “E se a vida for”), pianos que gravei ainda em Petrópolis (sua cidade natal), que reverti e transformei em ambientes sonoros. É um disco solo mesmo. Isso que me motivou mais, brincar no estúdio em causa própria. depois de tanto tempo brincando para os outros. E fiquei também com saudade de cantar, algo que sempre fiz em minhas bandas.

Revirar os HDs foi um recurso para buscar caminhos sonoros, mas não canções. Todas as composições do disco foram feitas ao longo dos últimos 12 meses. Ele fez questão de não pegar nenhuma música inacabada, tampouco sobras do Letuce ou do Binário. Isso foi quase uma escolha conceitual:

— Este disco aconteceu num ano muito sui generis na minha vida, muito estranho e interessante. Se utilizasse coisas antigas ia perder o poder de fotografar isso.

Poesia crua

Além de ser um retrato de seu 2013, o disco também reflete uma vida de relação com a música. Uma relação que remete ao útero, brinca Lucas:

— Na frente da barriga da minha mãe, durante toda minha gestação, tinha um piano. Ao longo da infância, ficava vendo minha mãe dar aula de piano o dia todo. Na adolescência, ouvi mais música ainda. Por isso iPod nunca me seduziu. Eu já estava estafado de ouvir música o dia inteiro. Ouço muito mais o que eu estou fazendo e o que a vida me traz, o que toca no táxi. O iPod, em vez de abrir, fecha o meu ouvido para o que o destino me traria por casualidade.

As letras do disco trazem uma poesia direta, crua (“É o oposto do Letuce, da poética da Letícia”, diz, referindo-se à cantora que é sua parceira numa das canções e participa do CD). Lucas diz que cria poucas imagens, é mais seco. Ele até destrói imagens consagradas, como em “E se a vida for matar todo dia esse leão/ Esse leão figurativo, clichê/ Metafórico leão/ (...) Por que isso não pode ser/ Poesia?”. O único espaço de ambiguidade clara é o título — “Falo de coração”, essa síntese de virilidade, romantismo, humor por deslocamento que acaba, paradoxalmente, iluminando o álbum.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 32716


<script src="https://jsc.adskeeper.com/r/s/rssing.com.1596347.js" async> </script>