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Binho Cultura, o pai da festa literária da Zona Oeste

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RIO - Filho de um carpinteiro e de uma dona de casa, George Cleber Alves da Silva, o Binho Cultura, começou a ler prematuramente, dos 3 para os 4 anos. As placas das ruas da Vila Aliança, conjunto habitacional de Bangu onde nasceu e se criou, foram seus primeiros objetos de leitura.

— As ruas da Vila Aliança sempre tiveram nomes de profissões. Gostava de brincar na Rua do Carpinteiro e na Rua do Florista, mas a minha preferida sempre foi a Rua do Aprendiz — lembra ele.

Na adolescência, começou a escrever letras de funk melody, inspirado por MC Marcinho, seu conterrâneo, e Bob Rum, da vizinha Santa Cruz:

— Na década de 1990, todo moleque de favela queria ser jogador de futebol ou MC. Como eu era ruim de bola, comecei a escrever letras de funk. Mais tarde, me distanciei da música por causa da violência que rolava nos bailes de corredor, e me vi fazendo poesia.

Aos 17 anos, Binho saiu da escola.

— Meus pais não tinham dinheiro para comprar o livro paradidático, e eu confidenciei o meu problema à professora, pedindo para ela não me dar zero na prova. Mas, ela não só me deu zero como contou para a turma inteira que não podia abrir uma exceção para mim porque meus pais não tinham dinheiro para comprar um livro. Fiquei traumatizado, revoltado — lembra.

Um ano depois, a raiva se transformou na Biblioteca Quilombo dos Poetas. Após passar “vergonha” por não ter o tal livro paradidático, Binho passou a pegar livros com vizinhos, amigos, amigos dos amigos, e montou uma biblioteca comunitária, a primeira da Vila Aliança:

— Não queria que meu irmão, nem mais ninguém, passasse pela vergonha que passei na sala de aula.

A Biblioteca Quilombo dos Poetas pode ser considerada uma espécie de pedra fundamental da construção de um projeto de incentivo à leitura em Bangu e arredores. De lá para cá, entre outras conquistas, Binho terminou a escola, se formou em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Unificada Campograndense (Feuc), fundou o Centro Cultural A História Que Eu Conto, promoveu a construção de uma Nave do Conhecimento e escreveu um livro. O mais recente capítulo dessa história foi a realização da Festa Literária da Zona Oeste (Flizo), para a qual mapeou cem escritores da região e promoveu 50 mesas redondas em escolas municipais e clubes de sete bairros da Zona Oeste, de 30 de setembro a 1º de novembro deste ano.

— Conseguimos dar visibilidade à região, que até então era um deserto cultural, com a proposta do contrafluxo. É comum qualquer morador da Zona Oeste consumir cultura na Zona Sul e no Centro. Mas, agora, precisamos parar de reclamar da falta de políticas públicas e promover programações para que as pessoas venham nos visitar. Essa é a proposta da Flizo, incluir a região no mapa cultural da cidade — diz o agitador cultural, de 33 anos.

A Flizo foi inspirada no modelo da Flupp, a Festa Literária das Periferias. Ano passado, quando participava de uma mesa da Flupp no Cantagalo, Binho teve um insight e anunciou a criação da Flizo para este ano. Na cara e na coragem.

— O Binho é um dos caras que você pensa quando quer falar de ações culturais no Rio. Faz parte de uma nova geração, que vem das bordas da cidade, e está construindo uma nova história — avalia Écio Salles, diretor executivo da Flupp. — A Flizo não é só importante, mas necessária por garantir o direito ao livro para uma das regiões mais populosas da cidade.

Por uma infeliz coincidência, o encerramento da Flizo foi no dia seguinte ao tiroteio que provocou a morte do menino Kayo da Silva Costa, de 8 anos, durante uma tentativa de resgate de detentos que prestavam depoimentos no Fórum de Bangu. A solenidade final da festa literária, realizada no Bangu Atlético Clube (no mesmo lugar onde Kayo fazia escolinha de futebol), acabou se transformando numa homenagem ao menino. O cantor Toni Garrido e a poetisa Elisa Lucinda estavam lá.

— Foi uma resposta pacífica e contundente à tragédia — lembra Elisa Lucinda. — Era a primeira vez que a comunidade estava reunida em torno da palavra escrita. E o discurso levanta a cabeça para a gente clamar por Justiça. Foi uma triste coincidência, e dei parabéns ao Binho por ele ter tido coragem para continuar. Ano que vem estarei lá de novo, quero ministrar uma oficina de poesia.

A Flizo de 2014 está programada para o mês de junho, antes da Copa do Mundo. Até lá, Binho pretende lançar livros de expoentes da região através da criação da Editora Flizo, que vai funcionar em forma de um consórcio literário. Entre as publicações em vista para janeiro está o romance “Vida em risco”, de sua própria autoria.

— É uma história ambientada entre a Vila Aliança e Vila Kennedy, e o personagem principal é um escritor da favela. Não chega a ser um romance autobiográfico, pois possui altas doses de ficção — conta Binho, que no início do ano também vai lançar uma coleção de livros infantis, desta vez pela Libris.

O seu primeiro livro, “A história que eu conto”, foi lançado em junho pela Aeroplano, editora de Heloísa Buarque de Hollanda, professora da UFRJ e crítica literária.

— O Binho é um intelectual da periferia, um artista-cidadão que cria e tem compromisso com o entorno. Não depende de nada ou de ninguém para seguir em frente, está sempre agindo com urgência — diz Heloísa.

O livro “A história que eu conto” tem o nome do principal centro cultural da Vila Aliança, fundado por Binho, Jefserson Cora (seu irmão) e Samuel Muniz, o Samuca, em 2008. O espaço fica na Escola Municipal Austregésilo de Athayde, que estava abandonada após ser atingida por balas perdidas durante uma operação da polícia na região. O trio ocupou o terreno de quatro mil metros quadrados com base no Estatuto da Cidadania — toda a história narrada em detalhes no livro do rapaz. Ano passado, porém, Binho se desligou do centro cultural por conta de “divergências internas” e seguiu o seu caminho focado na criação da Flizo.

Sem esconder a marra, ele faz planos ambiciosos para o futuro:

— A minha meta é ser ministro da Cultura em dez anos. Tudo o que eu fiz na minha vida sempre foi audacioso.


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