RIO - Nas palavras de Ivan Lins, Júlia Vargas é uma "cantora de voz forte, e personalidade mais forte ainda". Aos 24 anos, a jovem nascida em Cabo Frio conquista, aos poucos, espaço e reconhecimento dentro da nova cena artística carioca. No palco (como o do Circo Voador na noite desta quinta-feira, abrindo o Baile do Almeidinha, capitaneado por Hamilton de Holanda), ela mostra a riqueza de sua musicalidade: interpreta, canta, dança e toca percussão, ao lado de uma banda que poderia acompanhar qualquer artista de primeiro time.
Responsável pelos instrumentos de sopro, Marcelo Bernardes, por exemplo, toca sax e clarinete nos shows dela, quando não está em turnê com Chico Buarque, quem acompanha há mais de 20 anos. O baterista Alex Merlino, o guitarrista Walter Villaça e o violonista Rodrigo Garcia, músicos que tocavam com Cássia Eller, também conciliam as agendas para fazer parte do conjunto da cantora. Rodrigo, aliás, é peça-chave em sua trajetória. Os dois se conheceram quando Júlia fez um teste para participar do Nó Cego, grupo de São Pedro da Serra, na região serrana do Rio. Impressionado, ele a incentivou a investir na carreira solo, e resolveu ajudar na produção.
— A gente poderia fazer um disco do Nó Cego com a Júlia cantando algumas faixas, mas todo mundo viu que o trabalho dela tinha mais chance de voar sozinho. Outros músicos foram abraçando a ideia e formamos uma banda de vários caras feras, tocando de graça, na parceria. Ao mesmo tempo em que é uma cantora que arranjou uma banda, é uma banda que arranjou uma cantora — explica Rodrigo.
Influenciada pela família, toda ligada à música, Júlia sempre esteve envolvida no meio. Evandro Terra, o pai, é cantor e compositor. A mãe, Selemar Vargas, é maestrina. E o avô, Maurílio Santos, foi trompetista da Orquestra Tabajara durante 37 anos. Mas, apesar do berço musical, o sonho de infância dela era ser bailarina, tendo feito parte de companhias como a do Teatro Municipal e a de Deborah Colker. Após uma breve passagem pelo teatro — participou de uma trupe liderada por Oswaldo Montenegro — Júlia embarcou de vez na música.
— Como minha mãe é regente, eu e meus irmãos fazíamos reforço nos corais dela desde pequenos, isso ajudou a desenvolver meu ouvido. Tive muita influência da minha mãe, mas principalmente do meu irmão (Ivo Vargas), que canta e compõe. Eu chegava do ballet, completamente focada na dança, ele puxava um violão e falava: “Vamos tirar essa música aqui que vai ficar bonita na sua voz” — conta Júlia, que às vezes dá uma canja em shows da banda de Ivo, o grupo niteroiense Giras Gerais.
O primeiro álbum da cantora, disponível no Itunes, foi gravado no último ano, sob forte incentivo de Ivan Lins, apresentado a ela por Rodrigo. Ivan promoveu um encontro em sua casa, onde lhe ofereceu uma música sua inédita, “Cabelos molhados”, cuja letra é um poema de Marly de Oliveira, esposa do João Cabral de Melo Neto; além de uma parceria dele com o Lenine, “Se acontecer”. O regionalismo está presente em muitas faixas do disco, como na impecável “Desabafo”, da paraibana Cecéu, e em músicas de Cátia de França, todas escolhidas a dedo por Júlia.
— Ela não canta qualquer coisa. A Júlia se preocupa muito com o repertório. Acredito que, na medida em que ela impõe sua personalidade firme e estabelece uma atitude como artista, tem uma boa chance de se destacar. Hoje, para se destacar entre a imensidão de cantoras que existem e cantam bem, é necessário criar uma imagem bastante particular, única. Acho que ela tem todos os atributos necessários — diz Ivan.