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Alberto Renault conta que não é do tipo caseiro: ‘Casa, para mim, é o lugar para voltar’

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RIO - A portaria do prédio onde mora há dez anos, em Ipanema, foi a escolhida por Alberto Renault para ilustrar as fotos para a matéria da Revista da TV. Não por comodidade, ele frisa, bem-humorado. Mas porque a área é do jeito que ele gosta: “dos anos 60, bem brasileira e eclética com cobogó, pastilha e mosaico”. Além disso, traz o desenho de um coringa, “que dá sorte”, comenta.

— Acho que ela representa bem a multiplicidade da arquitetura brasileira. Portarias como a minha, que se conservam intactas, mereciam tombamento — opina Alberto, idealizador e diretor do “Casa brasileira”, em sua quarta temporada no GNT.

Morador de Ipanema desde a infância, o carioca adora andar pelas ruas do bairro observando não apenas portarias, mas fachadas, janelas, prédios e meios-fios. É do tipo que reclama quando vê calçadas quebradas ou lixo na rua.

— Sou muito visual. Radiografo o que está à minha volta. Sei tudo o que acontece por aqui — diz ele, enquanto toma um suco num café da região.

Alberto é um cara curioso. Quando criança, gostava de passear pela Avenida Atlântica e olhar para dentro das janelas, para ver as árvores de Natal. No prédio, apertava o botão do elevador de todos os andares só para observar suas entradas. E é essa a principal característica que procura levar quando mostra uma casa em seu programa. Ele conta que tenta, sempre, se colocar no lugar do espectador. E ver a casa pela ótica da emoção, em vez de priorizar a técnica.

— É um viés muito mais dramatúrgico do que arquitetônico. Já me emocionei ao entrar em várias casas, assim como me emociono com o discurso de vários arquitetos. Fugi da burocracia porque falo com sinceridade e emoção — avalia ele que, desde a estreia do programa, em 2010, já visitou mais de 320 casas.

Apesar do vasto conhecimento sobre o assunto, Alberto não é arquiteto. Chegou ao “Casa brasileira” por conta de sua carreira como cenógrafo e diretor de óperas e peças de teatro. Também trabalhou com Regina Casé em programas como “Muvuca”, “Central da periferia”, “Brasil legal” e “Um pé de quê?”.

— De Regina herdei a espontaneidade. Não tem o “ação, rodando”. E à ópera eu devo a musicalidade. O programa tem ritmo. Penso nele como uma música, com notas graves e agudas, momentos mais lentos e mais rápidos — detalha.

A ideia de produzir uma atração para a TV veio depois que construiu cenários para uma loja de móveis, convidado por Baba Vacaro (a roteirista do “Casa”). Preparou, então, três programas, já com entradas para intervalos, e apresentou a Letícia Muhana, então diretora do GNT.

— Ela gostou e pediu mais dois para que fizéssemos a semana “Casa brasileira”. Aí, foi um crescente. E só faço isso desde então — orgulha-se.

Por causa do programa, Alberto passa uma semana no Rio e dez dias viajando. Conta que sua rotina é uma mala em cima da mesa com a necessaire já pronta. Nesse vai e vem, já engordou dez quilos porque o brasileiro “é muito gentil”:

— Flora Gil me disse que casa brasileira é feijão na despensa. E é isso, casa brasileira é sinônimo de comida. O dono pode até não estar, mas eu chego e sempre tem um bolo ou pão de queijo me esperando.

Se não falta comida, também não falta televisão. Nos anos 1980, ele diz, o aparelho tornou-se démodé — “começaram até a chamar de home theater, nome horrível”. Mas, atualmente, ela é a “nova lareira, onde todo mundo fica em volta”:

— Nunca vi nenhuma casa sem TV. Ela é muito central na vida das pessoas, seja na favela ou na Avenida Vieira Souto. Sempre tem aquele “cantinho da TV”, onde a pessoa vai relaxar, pegar um cobertor, tomar uma sopinha e assistir a alguma coisa.

A casa traça um retrato fiel das mudanças da sociedade, analisa Alberto, para quem a tecnologia tem levado as pessoas a ficar cada vez mais dentro de seu lares. Com isso, essa divisão entre os cômodos está ficando mais fundida.

— Antes a parte social era separada da parte de serviço, e esse limite acabou. As paredes estão caindo, os eletrodomésticos enfeitam a casa. A cafeteira está na mesa de centro — comenta.

Tamanha percepção do modo como o brasileiro vive levou Alberto a idealizar outros dois programas, com estreias previstas para 2014. São “Arte brasileira”, em que perfila oito artistas plásticos do país; e o “Morar”, sobre diferentes formas de habitação.

— Vou gravá-lo em oito cidades do país e mostrar como pessoas de diferentes classes sociais vivem e como circula a vida naquela cidade — adianta.

Os cinco episódios da próxima temporada de férias do “Casa brasileira” já estão prontos. Além de curioso, Alberto é obsessivo, como ele mesmo define. Quando perguntado sobre casas inesquecíveis que já visitou, cita imóveis mostrados na temporada atual, no ar todo domingo, às 23h.

— A casa de Ubatuba, projetada por Angelo Bucci, me emocionou pela inteligência, porque ele faz o concreto flutuar. Uma que me emocionou pelo histórico foi a primeira que o falecido Joaquim Guedes projetou ainda estudante. Ele tinha 16 irmãos, e a casa é toda no estilo pré-modernista. Tem a Casa Cavanela, do Niemeyer... — enumera.

Mas a preferida mesmo, ele entrega, é a própria, “um lugar de livros e revistas, uma grande estante e um grande vazio”. A cozinha, ele diz, nunca usou, já que sempre come fora:

— Em casa eu desmaio (risos). Não sou caseiro. Casa, para mim, é o lugar para voltar.

E também para escrever. Alberto é autor de três livros: “A foto”, “Moko no Brasil” e “Sr. R”, este último com idosos como protagonistas:

— Os outros romances foram de juventude e sou apaixonado por velhos. Observo as mãos, o jeito que andam. Olhar as coisas e ver como foram. Minha única pena de morrer é não poder mais ver.


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