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Juntos no Rio, os renovadores do fado

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RIO - Música bem conhecida no Brasil em sua forma original, nas vozes de Amália Rodrigues e Carlos do Carmo, ou em composições de Vinicius de Moraes e Chico Buarque, o fado, símbolo de Portugal, ganha seu primeiro evento de vulto no país. É o Festival de Fado, que chega neste sábado ao Rio depois de passar por São Paulo, fiando-se na mistura de tradição e juventude dos novos artistas desse gênero considerado pela Unesco um patrimônio imaterial da Humanidade. A festa, na Cidade das Artes, começa com apresentação da cantora Mariza, voz que iniciou o movimento dos novos fadistas em Portugal, há 12 anos, com o lançamento de seu primeiro disco, “Fado em mim”. E domingo, a noite é de António Zambujo (cantor assíduo dos palcos cariocas) e de Ana Moura.

— O fado é um estilo que tem se renovado muito nos últimos três, quatro anos. E existe um movimento de trazer novos fadistas ao Brasil. Há muitos nomes surgindo, pretendemos que esta edição não seja única — conta Connie Lopes, produtora portuguesa há muito radicada no Brasil, onde organiza eventos como o festival Back2Black, e agora está à frente do Festival de Fado, junto com Álvaro Covões, produtor de um dos maiores eventos de rock de Portugal, o Optimus Alive. — O fado é uma música diferente e sofisticada, que se reciclou da mesma forma que o samba na Lapa.

Álvaro destaca, em sua decisão de fazer um festival de fado no Brasil, o antigo interesse do público local, que lotava shows nos tempos de Amália e Carlos do Carmo. Mas reconhece:

— Hoje, a juventude brasileira é muito bem informada. Com a internet e toda a democratização de informação, ela consegue conhecer melhor o que há de bom nos países. O retorno do festival até agora tem sido bastante animador, pretendemos levá-lo a outras cidades.

Nascida em Moçambique, filha de português com moçambicana, Mariza (que cantou ano passado no Rio, com Milton Nascimento) tornou-se estrela da world music com a sua muito particular visão da música lusa (seu terceiro disco, “Transparente”, de 2005, foi produzido pelo brasileiro Jaques Morelenbaum). Mas chegar lá não foi fácil, ela diz:

— Há 12 anos, quando fiz meu primeiro disco, as editoras diziam que não havia interesse no fado. Que se o disco vendesse três mil, cinco mil cópias, seria uma vitória. Ele vendeu 120 mil só em Portugal, e hoje não há uma única gravadora no país que não tenha artistas de fado.

Criada no bairro lisboeta da Mouraria, a cantora observa que o fado é música urbana. E mutável, como as cidades:

— O Portugal e a Lisboa que Amália cantava não são mais os mesmos. Mas não podemos nos esquecer da tradição de Amália, ela é como Frank Sinatra. O fado é uma música que tem que estar sempre agarrada à tradição, é a música que canta os sentimentos do povo. Existem umas 300 melodias que todos os fadistas podem cantar. O que muda hoje são os poemas. E há muitos poetas modernos, que falam dos problemas sociais.

Ana Moura, que cantou no Rio em 2011, no Back2Black, concorda com Mariza.

— Nos últimos dez anos, intérpretes e músicos trouxeram uma linguagem diferente para o fado. Comecei cantando os poetas da minha geração. E viemos sem receio de arriscar, o que acabou por gerar coisas que transformaram o fado. Meu último disco foi muito bem aceito e tem instrumentos de fora do fado tradicional — conta ela, que já cantou com Prince e Rolling Stones, e que no disco “Desfado” (2012), gravou músicas de novos artistas de seu país, como Zambujo, Luísa Sobral, Pedro da Silva Martins (do grupo Deolinda) e Manuel Cruz (do Ornatos Violeta). — Eles têm uma linguagem bastante portuguesa, embora bem mais jovem. Essa é a obrigação da nossa geração: dar continuidade a esse gênero que nos é tão particular, com letras com as quais os jovens possam se identificar. A autenticidade do fado era muito associada à tristeza, às dificuldades. Hoje estamos mais soltos, a vida é melhor. O fado é como a soul music, muito intenso, mas que fala do que se vive no momento.

Dueto com Criolo

Ana terá como convidado o rapper Criolo. Dele, os dois devem cantar “Não existe amor em SP”. Dela, “Amor afoito”.

— Queríamos misturar a tradição lusitana com a das periferias do Brasil. Afinal, o fado vem das vielas de Lisboa — lembra Connie Lopes.

Apresentando-se com regularidade no Brasil desde 2008, António Zambujo vê o fado como uma música muito pessoal, que permite aos artistas incluir suas diversas influências.

— No meu trabalho, há jazz, música brasileira, canções da minha região (o Alentejo). O fado é o ponto de partida para algumas coisas novas — alega ele, que, no show, cantará composições dos seus cinco álbuns.

Fora do festival, mas não do cenário brasileiro do fado (em dezembro, ela volta para sua terceira temporada na Miranda), a cantora Carminho, de 28 anos, é testemunha das mudanças.

— Hoje, os brasileiros sabem que fado não é só aquela forma melancólica e triste, é uma música do mundo — diz ela, que recentemente se apresentou no Womad, festival de world music criado pelo cantor inglês Peter Gabriel. — A diferença é que, enquanto o Brasil canta alegremente suas tristezas, nós gostamos de cantar tristemente as nossas alegrias.

No Rio, o Festival do Fado conta, além dos shows, com exposição de peças do Museu do Fado, degustação de comida portuguesa e exibição de filmes como “Fado”, de Carlos Saura.


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