RIO - A dois dias do encerramento da 21ª edição do Anima Mundi — prestigiada por quase 40 mil pagantes desde sua abertura, no dia 2 —, o festival recebe nesta sexta-feira, às 20h, na Fundição Progresso, uma cineasta que surpreendeu o cinema europeu ao usar placas de gesso como matéria-prima para ensaios sobre a solidão: a portuguesa Regina Pessoa. Uma trilogia sobre a infância formada pelos curtas-metragens “A noite” (1999), “História trágica com final feliz” (eleito melhor filme em Annecy, a maior mostra de animação do planeta, em 2005) e “Kali, o pequeno vampiro” (2012), deu a ela projeção no cinema e nas artes plásticas. Seu trabalho fica na fronteira entre o audiovisual e a gravura.
— Os meus filmes têm muito de autobiográfico — admite Regina, aos 43 anos. —Minha mãe tinha esquizofrenia. Era uma pessoa diferente e muito solitária… por ser diferente. Vivíamos numa pequena aldeia de um Portugal profundo e pouco esclarecido, e as pessoas tendiam a fazer troça ou afastar-se dela. Por conseguinte, eu e a minha irmã merecíamos, por vezes, o mesmo tratamento. Meu trabalho tem a experiência intensamente vivida dessa solidão que a diferença traz consigo.
Neste sábado, às 20h, ela ganha uma sessão que põe em retrospectiva todos os seus filmes, incluindo o comercial antitabagista “Ciclo vicioso” (1996). Com o apoio de coproduções com a França, a Suíça e o Canadá, ela consegue, apesar da crise econômica de Portugal, rodar seus filmes usando técnicas artesanais, mais demoradas e dispendiosas do que o cinema luso se dispõe a financiar. O colapso financeiro de seu país (como o de várias outras nações da União Europeia) fez com que as verbas destinadas a um projeto ainda sem título que Regina emplacou há dois anos só fossem liberadas em março passado.
— Com esse atraso no repasse do apoio do Estado, os coprodutores franceses e canadenses perderam a confiança nas autoridades portuguesas dedicadas ao cinema. Fora isso, os festivais de Portugal batem-se com os cortes nos seus financiamentos, e alguns correm o risco de acabar. É muito grave, uma vez que os festivais são as últimas janelas para podermos ver cinema de autor independente — diz a diretora, que optou por animar em gesso depois de ver o curta polonês “Franz Kafka” (1992), de Piotr Dumala.
Quando desenhou os primeiros esboços de “A noite”, considerado sua obra-prima, Regina buscava materiais que pudessem ressaltar o jogo de sombras de seu traço. Ao ouvir que Dumala usara gesso como plataforma para uma trama de tons góticos sobre o autor de “A metamorfose”, a cineasta, que então pesquisava texturas, resolveu fazer um teste com o produto. Descobriu ser capaz de preservar o tom bruxuleado de seus storyboards fazendo gravuras sobre uma massa de gesso, que seria pintada, decorada e filmada.
— Ao gesso eu acrescentava dramatismo e poesia — diz Regina. — Era a atmosfera que eu desejava.