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Kenneth Goldsmith e o papel da internet

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RIO - Imagine cada blog, cada álbum de fotos on-line, cada perfil nas redes sociais, cada mensagem trocada. Imagine o volume colossal de páginas que foram criadas no mundo todo desde o início da década de 1990, quando a internet começou a entrar nas nossas casas, até hoje.

Desde 22 de maio deste ano, o artista e poeta americano Kenneth Goldsmith convoca pessoas do mundo inteiro a colaborar com um projeto de arte conceitual, ainda em andamento. Ele quer imprimir toda a internet. A quantidade assombrosa — dez toneladas de papel, mais precisamente — não parou de crescer desde então e está em exposição até o dia 26 de agosto na galeria de arte Labor, na Cidade do México.

Num espaço de 500 metros quadrados, onde o pé direito mede seis metros de altura, os visitantes podem ler as páginas em voz alta sobre um pequeno palco ou simplesmente folhear o conteúdo. Mais de 600 pessoas já atenderam ao chamado de Goldsmith e enviaram por correio folhas de formatos diferentes, com teores dos mais diversos. Essa amostra é bem representativa do que há na internet: e-mails, códigos de banco, pornografia, artigos jornalísticos, todas as partituras de Mahler, letras de Prince e 20 páginas em que aparece apenas a letra A.

Em entrevista à rádio CBC do Canadá, o artista comenta que “estamos lidando com uma nova métrica de imensidade”. Evidentemente, o projeto vem sendo criticado por incentivar um gasto excessivo de papel. A resposta à polêmica, no entanto, é que, encerrada a exposição, todo o material será reciclado. Além disso, Goldsmith alega que ninguém está preocupado com o desperdício e as emissões de CO2 das grandes feiras de arte e de outros projetos artísticos individuais, frequentemente extravagantes.

“Printing out the internet” é um tributo a Aaron Swartz, um dos fundadores do site de compartilhamentos Reddit. Aos 26 anos, o ativista que cometeu suicídio em janeiro estava sendo pressionado pela justiça americana por piratear e tornar públicos artigos acadêmicos do site do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussetts). Ele poderia pegar 35 anos de prisão e ter que pagar a pena de US$ 1 milhão em multas.

Para Goldsmith, imprimir a internet é uma maneira de homenagear, simbolicamente, o ato político de Swartz, que lutava pela livre circulação de informação. Poeta laureado do MoMA e fundador do Ubu Web, site que reúne um arquivo impressionante da arte de vanguarda (sem pedidos de permissão, vale dizer), Goldsmith é uma mente inquieta — e um tanto excêntrica.

Defensor do termo “uncreative writing” — que inclusive é o título de seu livro, lançado em 2011 nos EUA —, Goldsmith acredita que não só as artes plásticas podem produzir os ready-mades de Duchamp. A literatura também se presta a isso. Foi assim que ele “escreveu” o livro “Traffic”, uma transcrição literal de relatórios sobre o trânsito de uma estação de rádio de Nova York ao longo 24 horas.

O projeto de tornar a rede on-line material, concreta, é uma forma de sublinhar nosso acúmulo compulsivo de cultura digital. A iniciativa, contudo, sabe das suas limitações e não teme o fracasso: de acordo com o site World Wide Web Size (www.worldwidewebsize.com), o tamanho da internet impressa totalizaria mais de 4,8 bilhões de folhas de papel. Empilhadas, essas páginas alcançariam 55 vezes a altura do Everest. Mesmo que a galeria fique abarrotada, portanto, é inviável dar conta do recado.

*Alice Sant’Anna escreve na página Transcultura, publicada às sextas-feiras no Segundo Caderno


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