RIO - Na era dos smartphones, tablets e notebooks, é difícil acreditar que existe gente jovem apegada ao papel. Mas os fanzineiros estão aí para provar o contrário. Oi? O quê? Nunca ouviu falar nisso? Zines são publicações alternativas e independentes, sem fins lucrativos, geralmente reproduzidas em pequenas tiragens e distribuídas para um público segmentado. A intenção é divulgar ideias sem nenhum tipo de censura.
- O zine surgiu da necessidade de expressão de grupos específicos e tornaram-se campos férteis para experimentações gráficas e textuais graças à sua total liberdade - conceitua Márcio Sno, autor da série de documentários “Fanzineiros do século passado”, que conta a história desse tipo de publicação no Brasil.
Quando surgiram, nos anos 30, nos Estados Unidos, os zines serviam para divulgar o trabalho de poetas. Mais tarde, na década de 70, ganharam força divulgando o estilo de vida punk e seus ideais revolucionários. Desde então os fanzines se tornaram muito famosos por alimentarem a cena underground, divulgando textos sobre bandas de rock, feminismo, poemas, além de ilustrações, quadrinhos e outros elementos no mundo alternativo. O primeiro zine brasileiro nasceu em 1965, o “Ficção”, de Piracicaba (São Paulo), dedicado a colecionadores de revistas de histórias quadrinhos. No começo dos anos de 1990 foi quando mais se produziu zines no Brasil. Eram milhares e milhares de publicações de tudo que é tipo, circulando nos shows, lojas, correios etc.
- Costumo chamar a década de 1990 de “década paradoxal dos zines”, pois em sua primeira metade foi quando mais se produziu e na segunda, com a popularização dos computadores pessoais e a chegada da internet, foi quando os zines quase foram extintos - explica Sno.
Mas a cultura dos zines não acabou e, em pleno século XXI, ainda há publicações autorais sendo produzidas. Muito mais do que uma “onda vintage”, os zines de hoje oferecem atrativos que vão além dos textos.
- Os editores estão investindo muito na qualidade visual, utilizando papéis de gramaturas e cores diferentes, dobraduras, impressão em alto relevo, técnicas como costura, estêncil, tintas especiais e até aromas - conta o estudioso.
Os zines de quadrinhos “La Permura!”, “Arrotinhos Curry” (impresso com curry de verdade!) e “QI” (com 10 anos de existência), além do “Manufatura”, de ilustrações, são exemplos de publicações que investem pesado na qualidade visual, usando técnicas artesanais de impressão. Já o “Aviso Final” (há mais de 20 anos na ativa) e o “Feira Moderna” se dedicam a divulgar a música independente, este segundo também com uma versão online.
Camila Silveira, que organiza todo mês o encontro X-pozine Junkie, onde fanzineiros expõem seus trabalhos dentro da festa Junkie-Session, na Lapa, comenta que é impossível estimar quantos são produzidos no Brasil atualmente, já que as publicações são independentes e a distribuição, geralmente, regional. Muitos deles também migraram para a web, sendo passados adiante por meio de arquivos PDF, por exemplo.
- Muitos fanzineiros dos anos 90 transferiram sua plataforma para a rede. Os zines tomaram outra forma e outra razão de existir - observa Camila.
Mesmo com o crescente desapego ao papel, há quem, mesmo jovem, prefira o cheiro de tinta e a folha impressa. Um exemplo dessa nova geração é o recém-lançado zine das garotas do blog “Girls With Style”, sobre moda e comportamento.
- Resolvemos fazer um zine no final do ano passado com um compilado dos posts mais populares do blog. A ideia era uma tiragem de 200 exemplares para as leitoras mais fiéis, mas tivemos tantos pedidos que acabamos distribuindo 1.200 exemplares - lembra Nuta Vasconcellos, de 27 anos, uma das responsáveis pelo blog.
A coisa deu tão certo que o lançamento da segunda edição do fanzine “Girls With Style” será com um evento no Z.BRA Hostel, no Leblon, com direito a um workshop do stylist Felipe Veloso, neste domingo (4), às 15h (para se inscrever é só mandar um e-mail para gws@girlswithstyle.com.br).
Aqui no Brasil, os zines sobre moda ainda são novidade. Nuta conta que a inspiração partiu de veículos estrangeiros, como o “DIY or DIE” (da marca Urban Outfiters), o “Crush Fanzine”, e, principalmente, do movimento Riot Grrrl, que engloba publicações sobre bandas de rock e feminismo. O formato da nova publicação brasileira não será nada convencional.
- As leitoras poderão interagir com o fanzine. Customizar, pintar... A ideia é resgatar esse contato com o papel, não só para ler, mas para fazer interferências, com lápis e caneta - comenta a blogueira. - Queremos que as leitoras transformem o fanzine em algo só seu, coisa que é impossível de se fazer no site.