NOVA YORK — Muitas pessoas dizem que, se tivessem tempo para ler, leriam os clássicos. Edward J. Snowden está com tempo de sobra e agora tem também acesso aos clássicos. O ex-técnico da CIA, que vem enfrentando duras repercussões por ter revelado um esquema de espionagem dos EUA, está abrigado na área de trânsito do aeroporto Sheremetyevo, em Moscou, esperando para saber em que país conseguirá asilo. No início da semana, seu advogado russo lhe deixou uma sacola com livros de Dostoyevsky, Chekhov e Nikolai Karamzin, para ajudá-lo a entender a realidade do país.
De acordo com o noticiário, o advogado Anatoly Kucherena deixou com Snowden o clássico sobre lei, ordem e redenção “Crime e castigo”, de Dostoyevsky, dizendo “Você deveria saber quem é Raskolnikov”. Ele acrescentou que o livro de Chekhov era uma “sobremesa” e deixou também uma obra do historiador Karamzin, com a base do desenvolvimento da nação russa.
Mas será Dostoevsky uma boa escolha? A história de Raskolnikov dificilmente vai animar Snowden. Sonia, a mulher cujo amor salva a alma do protagonista, pode lembrá-lo de Lindsay Mills, a namorada dançarina e exibicionista que ele deixou para trás. Já Karamzin foi o historiador da corte do czar Alexandre I. Ele iniciou sua obra “História do estado russo” em 1816, o que pode levantar a questão de como esse livro ajudaria a entender a Rússia de Valdimir Putin, em 2013. O professor Richard Pipes, de Harvard, escreveu que Karamzin acreditava que o país “prosperou sob a autocracia” e sugere que Putin seria um admirador.
Mas existem livros melhores para ajudar Snowden a compreender a alma russa? Um bom exemplo é Gogol, cujo conto absurdo “O nariz” pode ajudar a Snowden a entender que morar na Rússia pode não fazer mais sentido do que viver nos EUA. E Tolstói — bom, por mais tempo que Snowden tenha, talvez ele não tenha tempo para Tolstói.
Gary Shteyngart, o escritor cujos romances misturam comédia e corações partidos, sugeriu “Oblomov”, de Ivan Goncharov. O livro do século XIX tem um protagonista que seria familiar a muitos homens de 20 ou 30 anos hoje: um jovem com muitos privilégios, mas que mal consegue se mover da cama para a cadeira, um proto-preguiçoso impregnado de gravidade russa.
“Snowden deveria procurar um sofá antigo em algum recanto dos subúrbios de Moscou e se armar com um prato de picles e uma vodka”, disse Shteyngart. “Um bom wi-fi complementaria o estilo de vida ‘Oblomov’ perfeitamente.”
O protagonista do romance “Absurdistão”, de Shteyngart, chama-se Misha Vainberg e tem um toque de Oblomov e um jeito de Snowden: ele está preso no hotel Hyatt nesse país imaginário, sem poder voltar aos EUA e cercado por funcionários da Halliburton que parecem ter um papel na guerra civil que se aproxima. Pode ser uma história familiar demais para gerar conforto, mas até aí a literatura nem sempre sugere conforto.
E por que Snowden deveria se limitar à literatura russa? Afinal de contas, Edward Everett Hale escreveu um livro que deve ressoar na mente do ex-técnico da CIA, “O homem sem pátria”, cujo principal personagem é julgado por traição e lamenta diante do juiz: “Espero nunca mais ouvir falar sobre os EUA!”.
Os franceses, que nos deram a palavra “ennui” (tédio) e afiaram o conceito de existencialismo, produziram os trabalhos que podem ter mais valor para ajudar Snowden a se adaptar a uma nova vida, especialmente os de Jean-Paul Sartre. Afinal, de contas que história descreve melhor sua situação do que “Entre quatro paredes”?