Lena Bergstein, 67 anos, acumula pilhas de cadernos de notas. Ao longo da vida, registrou trechos de textos que leu, escreveu suas próprias histórias, anotou, desenhou e, muitas vezes, pintou aquilo que viu. Ao hábito de tomar notas e criar cadernetas, soma-se o gosto pela palavra, como forma gráfica, e pelo livro, como objeto.
Dos caderninhos, do apreço pela escrita e pela pintura, nasceram as 15 obras inéditas que ela expõe agora no MAM do Rio. A artista carioca, que fez sua última individual no museu há 20 anos, abre hoje, às 16h, a mostra que leva seu nome e reforça a marca de sua produção: a relação entre texto e imagem, escrita e pintura.
Lena expõe no térreo do museu. Passada a recepção, o visitante já entrevê as grandes telas azuis que a artista criou desde 2010 especialmente para a mostra. Além das oito pinturas (em telas sem chassi, presas, nos cantos, por delicados preguinhos), há sete “livros-pinturas”, dispostos sob suportes na altura do quadril do espectador. Isso porque ele pode folhear cada um dos livros, cujas páginas são feitas de telas, quase sempre azuis e com palavras e frases em outras cores, por cima da massa azulada.
A técnica de Lena lembra a que se faz com papel carbono: ela aplica um pedaço de jornal na tela já pintada e, sobre o papel, escreve o que deseja. Em seguida, retira o papel. Trata-se de um processo de transferência, como ela define. O que resta é a tela com a palavra.
— Essa forma de trabalhar, com transferência para a tela, é também herança do meu passado gráfico — explica a artista que, nos anos 1970, estudou gravura no MAM e, diz, decidiu então seguir carreira profissional como artista plástica.
De lá para cá, fez várias mostras no exterior, como em 1986, na Galeria Segno Gráfico, em Veneza, ou em 1998 na Galeria Debret e no Salão do Livro, em Paris. Participou da Europalia em 2011, quando o festival na Bélgica foi dedicado ao Brasil.
Nas telas que criou para o MAM, há frases como “Quando dizemos eu te amo, dizemos tudo”, extraídas do livro “O amor — como é e como se faz”, do filósofo Jean-Luc Nancy.
— Queria que fosse uma exposição também sobre o amor — diz ela. — Achei esse pequeno livro do Nancy, e tinha visto um texto de Benjamin, em que ele falava de um horizonte azul que nunca desaparece. Comecei a mergulhar nesse universo azul e trabalhei como se ele fosse um universo amoroso.
A arte de fazer livro
Abertos, os “livros-pinturas” chegam a um metro de largura. As páginas ficam pesadas pela tinta carregada de pigmentos (ela gosta da ideia de muita matéria sobre a página), e o ato de folhear é um ritual lento.
— Fazer livro é algo que convive comigo há muito tempo — diz ela, que ilustrou e organizou “Enlouquecer o subjétil” (Ateliê Editorial), com texto de Jacques Derrida (1930-2004). O título ganhou o Jabuti de Produção Editorial em 1998. — Para quem gosta de escrever, era um caminho natural escrever na tela. É o lugar para relacionar a pintura e a palavra.