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Letícia Spiller se reinventa para fugir da fama de perua da TV

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RIO - Primeiro, foi o estigma de ex-Paquita, uma das belas assistentes de palco do antigo programa infantil da apresentadora de TV Xuxa Meneghel, em que começou a carreira profissional, no fim dos anos 1980. Depois, quando finalmente conseguiu fixar seu nome nos quadros das novelas brasileiras, Letícia Spiller se viu aprisionada em outro estereótipo, o da loura avoada e sem substância.

— Todo mundo me associava à perua, à mulher burguesa que não tem nada a dizer. Mesmo depois que interpretei a seringueira Anália na minissérie “Amazônia: de Galvez a Chico Mendes” (2007), ainda vivi umas três peruas em novelas — calcula a atriz carioca, que completa 40 anos em 19 de junho, antes de rumar para Barra do Piraí, no sul do estado do Rio, onde está filmando sua participação na comédia “O casamento de Gorete”.

Dirigido pelo ator Paulo Vespúcio (“Um céu de estrelas”, 1996) e produzido pela própria atriz, o novo filme é mais um passo decisivo na desconstrução da imagem que lhe impuseram. Nele, Letícia também interpreta Rochanna, drag queen cibernética de uma boate gay da fictícia cidadezinha de Pau Torto, cenário da exuberante trama envolvendo o travesti do título (Rodrigo Sant'anna), que precisa se casar para então receber a herança deixada pelo pai.

‘Piranha de banheiro’

Um dos desafios de Letícia no filme foi dublar uma versão de “Piranha de banheiro”, hit da noite gay criado pelo DJ Baby Marcelo, equilibrada no alto de uma bota prateada de salto altíssimo, e cercada por musculosos gogo boys. O figurino de seu personagem, um homem que ganha a vida fazendo shows vestido de mulher, não deixa nada a dever ao de “Priscilla, a rainha do deserto”.

— A Rochanna é uma mistura de Lady Gaga, Madonna e do cyberdrag brasileiro Léo Áquilla. E, claro, ela tem muito da drag queen que existe em mim — diz a atriz, antes de soltar uma sonora gargalhada. — Entrei como produtora porque, além de facilitar a captação de recursos, quero investir em projetos que me engrandeçam, que engrandeçam as outras pessoas. Quero ir atrás de coisas em que acredito. E quem me daria o papel de uma drag, a não ser eu mesma?

Semana passada, Letícia se despediu da Antônia de “Salve Jorge”, a mais recente de suas louras burguesas televisivas. Já espera com ansiedade o início das gravações de “Joia rara”, o próximo folhetim das 18h da Globo, previsto para setembro, no qual viverá uma vedete de cabaré. E torce com todas as suas forças para que “Tudo que Deus criou”, do paraibano André da Costa Pinto, outro longa que explora o universo da diversidade sexual, encontre logo um distribuidor.

Neste último, Letícia surpreende de novo, como Maura, uma cega que se excita sexualmente com poemas eróticos, lidos para ela por um viúvo (Paulo Vespúcio) que trabalha na agência dos Correios de sua cidade. Este, por sua vez, tem um caso com um jovem travesti, que se prostituiu para ajudar a família pobre. Encorajada por Vespúcio, amigo de longa data, a atriz foi à luta pelo papel, pois os produtores do filme não queriam um rosto conhecido para Maura — muito menos o de uma mulher bonita.

— Letícia acabou sendo a melhor surpresa do filme — avalia André da Costa Pinto, que exibiu “Tudo que Deus criou” no Festival Miami Beach Cinematique, no fim de abril. — Hoje, não consigo enxergar outra Maura. Ela foi intensa, de uma entrega tão grande que o personagem, que às vezes pode parecer desagradável, virou uma figura mais humana.

Os esforços de reinvenção da atriz têm pelo menos um denominador comum: o ator e diretor Paulo Vespúcio, o amigo de quase duas décadas, o primeiro mentor que a atriz procurou quando deixou o “Xou da Xuxa” em busca de experiências mais sólidas em teatro. Os dois fizeram parte do corpo de atores do Grupo Porão de Teatro e Performance, coordenado por Daniela Visco, nos anos 1990, e desde então não se mantiveram muito próximos.

— A Lelê sempre reclamou comigo: “Na TV, só me querem como perua” — conta o ator, diretor, dramaturgo e roteirista, num intervalo das filmagens de “O casamento de Gorete”. — Um dia, perguntei pra ela: “Você quer vir brincar com a minha turma? Mas depois não vai conseguir vender cartão de crédito”. Falei isso porque todos os projetos que faço têm personagens muito fortes. E ela me disse: “Quero!” Conheço a Lelê desde novinha, sei o que ela é, conheço a loucura dela, e a televisão nunca explorou essa faceta.

Peggy Guggenheim

O contato com Vespúcio incentivou voos mais altos no teatro, onde ela trabalhou sob a direção de Amir Haddad em “Bodas de sangue” (2009), uma versão do texto de Federico García Lorca. Ainda no palco, interpretou a colecionadora de arte e mecenas americana Peggy Guggenheim em “Outside — Um musical noir” (2011), montagem livremente inspirada no universo artístico do cantor David Bowie.

A colaboração entre os dois acabou chegando ao cinema, primeiro no curta “Joãozinho de carne e osso” (2012), um filme feito em família: Vespúcio dirigiu, Letícia produziu, Lucas Loureiro, seu atual marido, fotografou, e Pedro Moraes, seu filho com o primeiro marido, o ator Marcello Novaes, atuou. Pedro, aliás, faz uma participação em “O casamento de Gorete”, vivendo Bonitão, o melhor amigo do personagem do título, na adolescência.

— Talvez eu não pudesse ter feito a Maura de “Tudo que Deus criou”, ou a Rochanna do “Gorete” dez, 15 anos atrás. Acho que não havia espaço para esses tipos de personagem no cinema brasileiro, e eu não tinha experiência de vida e profissional para interpretá-los — pondera a atriz.


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