RIO - Os nomes que cercam a música dão as pistas. Eslavosamba. Passo Torto. Metá Metá. Ou seja, um assumido desejo pelo inusitado, impuro, esquisito. Sustentando tudo, o samba, sempre ele. Desta vez, o gênero serve de matriz para a originalidade de uma turma de músicos paulistanos que se cruzam em projetos solo ou coletivos como os citados Metá Metá e Passo Torto e que agora vêm quase em sua escalação completa no recém-lançado “Eslavosamba”, disco de Cacá Machado.
— “Eslavosamba” é um capitulo interessante dessa história — explica Romulo Fróes, um dos que bebem e torcem a tradição do samba. — Cacá não é da turma, ele só era próximo a mim. Mas teve a intuição de que havia ali um som, um comportamento que interessava a ele.
O que define o som e o comportamento dessa turma (cujo núcleo é formado por Romulo, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Juçara Marçal, Thiago França e Marcelo Cabral) é o que chamam de uma “postura inventiva”, que inclui uma paixão pelo samba diretamente proporcional à insubmissão radical a seus formatos mais tradicionais. Algo, acreditam os músicos, permitido em grande parte pelo fato de estarem onde estão.
— São Paulo não tem o patrimônio de ser a origem do gênero. Já partimos de uma leveza de não precisar subir o morro e virar parceiro do Zé Keti para fazer samba — defende Machado. — Romulo, seus parceiros Clima e Nuno Ramos são poetas da ruína, da desconstrução do amor, por isso o fascínio por Nelson Cavaquinho. E essa ruína, que é mote poético, acaba virando procedimento estético, musical, e definindo o olhar deles sobre o samba.
Apesar de cada um dos muitos discos lançados pelo núcleo (“Bahia fantástica”, “Um labirinto em cada pé”, “Etiópia”, “Metá Metá” são alguns deles) ter uma sonoridade própria, há elementos que caracterizam seu samba gauche.
— A MPB costuma ter a ideia de uma harmonia, dos acordes que guiam todo o arranjo — explica Dinucci. — Trabalhamos a harmonia de outro jeito, com cada instrumento fazendo uma célula melódica, conversando entre si e formando uma teia. É uma tradição que remete à África. Isso é algo do rock, do riff, que essa geração cresceu ouvindo. E, em São Paulo, Itamar, Rumo e Arrigo já começaram a formatar isso.
Rodrigo Campos faz uma analogia desse procedimento diretamente com o samba:
— No samba, o tamborim está fazendo um desenho, o tantã, outro, cada um toca uma coisa diferente, mas que juntas têm um sentido único.
Em muitos trabalhos deles os limites do samba são esticados até se desintegrarem — até porque não há compromisso com o gênero. Mas Campos defende que o samba está sempre lá, como referência maior, de forma natural, simplesmente porque eles estão impregnados dele.
— Kiko passou pelo samba rural depois do punk, eu parti do pagode de São Mateus, na linha Fundo de Quintal, Romulo teve a MPB, o rock indie e depois Nelson Cavaquinho...
Romulo chama a atenção para o abandono que sua geração sofre por parte do mercado e do público (“Não tem ninguém pedindo para a gente tocar ‘Roda viva’ ou ‘Garota de Ipanema’, o que é saudável do ponto de vista criativo”). Mas nota que essa sonoridade já saiu do gueto.
— Ela resvala no Criolo. Thiago e Cabral são determinantes no som dele — diz. — Temos a vontade de fazer o inusual. Rodrigo Campos fez um aclamado disco de estreia. Seria fácil seguir nessa linha, mas ele escolhe a audácia de cantar a Bahia de um jeito novo. Metá Metá saiu da delicadeza do sax, violão e voz para virar uma banda punk afro. O segundo do Passo Torto, “Passo elétrico”, terá Kiko e Rodrigo tocando guitarras. No abandono, a liberdade é o que nos resta.