RIO — Apesar do bom humor e da voz jovial de sempre, é dezembro, e o incansável Dinho Ouro Preto admite que está morto.
— O ano de 2012 acabou se traduzindo numa coisa extenuante para mim — diz o cantor do Capital Inicial, de 48 anos, por telefone, de São Paulo. — Nossa agenda de shows, que sempre é muito intensa, foi ainda mais cansativa por causa da boa repercussão da nossa apresentação no Rock in Rio, em setembro de 2011. Então, passamos dos 100 shows, ainda fiz uns oito ou nove do “Black heart” (disco solo que ele lançou em março, e que o traz ao Rio para apresentações em fevereiro, na Miranda), gravei dois discos...
O segundo é “Saturno”, 11º disco de carreira do Capital, que se segue a “Das Kapital”, de 2010, o mais aclamado (“o único”, brinca Dinho) CD do quarteto fundado em Brasília em 1982.
— Acho que dessa vez a máquina estava ainda mais azeitada — avalia ele. — Ensaiamos muito e fomos para o estúdio bem afiados, mais uma vez com o produtor David Corcos. Em um mês o disco estava gravado, bem diferente de “Black Heart”, que eu achei que seria moleza, e acabou levando uma eternidade, porque eu ensaiava e gravava nos intervalos das atividades do Capital.
A “máquina azeitada” a que ele se refere passa também pela parceria com Alvin L. com quem compõe a maior parte das canções do Capital desde “Mickey Mouse em Moscou”, sucesso do disco “Todos os lados”, de 1989.
— O nosso truque é simplesmente não parar de compor — conta o cantor. — Agora, que o disco está saindo, já temos canções prontas para um futuro CD, que pode ser meu ou do Capital. Aprendi com o Renato Russo que as coisas não devem ser feitas com pressa, porque esse clima acaba aparecendo no disco. “Um disco é para sempre!”, dizia ele. Compondo sem parar, não enferrujamos, e nos aperfeiçoamos. Aliás, em matéria de texto, acho que Alvin e eu nunca fizemos um trabalho tão bom quanto esse de “Saturno”.
Além das diversas músicas de letras mais abstratas, como “Água e vinho” e “A valsa do inferno”, os dois retomaram a veia política que jamais se afastou totalmente do Capital — herdeiro direto do Aborto Elétrico, cujo repertório contava com as furiosas “Que país é esse?” e “Geração Coca-Cola”, que depois estourariam com a Legião Urbana. “Eles mentem/ E não sentem nada/ Eles mentem/ Na sua cara/ Nobre colega/ Acha que a nação inteira/ É surda e cega”, diz a letra de “Saquear Brasília”, a mais explícita da coleção.
— Eu sou um entusiasta do Brasil — começa Dinho. — Reconheço as transformações recentes, sei que a desigualdade é a menor em 30 anos, mas na última década a impressão é a de que o país avança apesar da classe política. São as mesmas pessoas dando as cartas há muitos anos, no PMDB, no DEM, no PSDB. Você viu as abstenções e votos em branco na eleição para prefeito? Foi um número absurdo, e isso porque o voto aqui é obrigatório. Se não fosse, tenho a impressão de que um terço das pessoas apareceria para votar. O povo não se sente representado pelos políticos. Eu acho que o voto nulo deveria ser computado. O cara que vota em branco está dizendo “tanto faz”, mas o que anula está gritando: “Não!”.
Essa insatisfação gerou um disco mais agressivo também na sonoridade.
— Nesse aspecto, o disco é quase conceitual, ele pega mais pesado mesmo, isso foi intencional — diz. — Estamos fazendo 30 anos de Capital, e eu me sinto criativo, não quero questão de comemorar essa data olhando para trás. Fizemos as músicas na guitarra, e não no violão, como costuma ser. Assim, surgiram as bases de canções como “Apocalipse agora” (uma espécie de trilha sonora para o fim do mundo, cheia de imagens bíblicas) e “O Cristo Redentor” (mais uma no campo da política, tratando mais especificamente de corrupção).
Ao contrário do que aconteceu quando o quarteto homenageou suas origens com “Aborto elétrico” — a antiga banda era formada por Renato Russo e pelos irmãos Flávio (baixo) e Fê (bateria) Lemos, que depois fundariam o Capital —, em 2005, desta vez o som mais agressivo não significou tortura física para os músicos.
— Foi o Rafael (Ramos, produtor de “Aborto Elétrico”) que tirou o nosso couro! — lembra Dinho, às gargalhadas. — Era um produtor jovem querendo tirar aquele punk rock dos coroas. Agora, mesmo com o peso das músicas, foi tudo muito mais tranquilo. Gravei as vozes em apenas três dias. Sinto muito mais dor, por causa do acidente (ele caiu do palco em um show do grupo em 2009 em Patos de Minas, sofrendo traumatismo craniano e permanecendo hospitalizado por mais de um mês), quando viajo 24 horas de avião ou de ônibus por aí...