RIO - Foram apenas 50 segundos. E nanquim se misturou com cerveja, Noel Rosa com Paulo Coelho, Nelson Cavaquinho com cacos de vidro, vaso de barro com bacia de alumínio, taco de beisebol com taça de cristal, as cinzas de um livro com os moldes em gesso de uma arcada dentária.
Como se estivesse diante de um “Pollock maluco”, em sua definição, o artista paulistano Nuno Ramos assistiu na terça-feira à performance dos dois motoqueiros que, dentro de globos da morte, giraram por 50 segundos e transformaram — com “muita violência”, segundo o artista — a exposição “O globo da morte de tudo”, que a galeria Anita Schwartz reabriu nesta quarta ao público.
A performance estava prevista desde a abertura da mostra, em novembro. Quatro prateleiras com objetos frágeis (em vidro e porcelana, entre outros materiais) foram conectadas aos globos da morte dentro da galeria. Até anteontem, as estantes e seus objetos podiam ser vistos intactos, embora já pairasse na obra o risco iminente da ação das motos, “adormecidas” nos globos.
Para Nuno, a palavra “acaso” é gasta para o que se viu na ação das motos. O artista, conhecido por trabalhos grandiosos (ele já fez entrar um barco na mesma galeria carioca), prefere falar em “violência”.
Projeto de Nuno com Eduardo Climachauska, a instalação incorpora algo que há muito se vê na carreira de ambos: em Nuno, a violência já aparecia, talvez mais silenciosa; em Climachauska, risco e tensão também já conviviam.
Registro por 15 câmeras
Ainda assim, conta Nuno, trata-se da primeira vez que o ato violento foi incluído de fato em uma de suas obras.
— Houve um ritual para que a violência fosse instaurada, e isso é novo para mim. Na minha obra, já havia morte, violência, mas foi a primeira vez que esse ritual se tornou parte do trabalho — diz Nuno, referindo-se a instalações como “ai, pareciam eternas! (3 lamas)”, na qual enterrou réplicas de três casas na lama dentro da galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte.
No Rio, Nuno e Climachauska usaram um apito para avisar aos motoqueiros o instante em que deviam parar de girar. A dupla já havia feito testes e, conta Nuno, o efeito soou diferente, já que os globos da morte não estavam ainda fixos no chão. Na performance de fato, foi preciso menos de um minuto (“Mas parecia uma eternidade!”) para que o ato de “extrema violência” fosse concluído segundo o desejo de seus dois autores.
— Meu medo era que não acontecesse nada. Mas foi como um bicho atacando, foi um instante em que fomos donos da poética da violência — completa o artista.
Poucos convidados assistiram à performance, registrada por 15 câmeras a pedido dos autores do trabalho. O público poderá ver um vídeo na galeria, a fim de entender o que se passou ali. A memória da violência, afinal, está mais nítida no trabalho.
O acesso dos visitantes, que antes podiam circular por dentro e por fora das quatro prateleiras, será modificado. Desde a ação, ficou difícil caminhar entre os cacos na parte externa das estantes, e o público fica convidado a circular mais perto dos globos da morte — estes já “adormecidos”, depois do ataque de 50 segundos.