RIO - A taça Jules Rimet foi entregue ao Brasil pela terceira vez em 1970 e ficou sob a guarda da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) até 1983, quando foi roubada por uma quadrilha, derretida dias depois por um argentino e teve seu ouro vendido a peso. A história do troféu é o ponto de partida do folhetim “Jules Rimet, meu amor”, escrito pelo jornalista e escritor Sérgio Rodrigues para o jornal francês “Le Monde”. Desde a última quarta-feira, um capítulo da história é publicado no periódico, com exceção das sextas-feiras. E assim será até o fim do torneio. Ao todo, a história terá 24 pequenos capítulos, já escritos.
Autor do elogiado romance “O drible” (Companhia das Letras), lançado no ano passado e também tem o futebol como tema, Rodrigues conta que a ideia foi do correspondente do “Le Monde” no Brasil, Nicolas Bourcier, que leu seu livro e propôs o projeto para a redação na França. Proposta aceita, o escritor teve menos de dois meses para preparar os textos. O formato do folhetim também foi desafiador. Para os brasileiros, a Companhia das Letras vai editar a série em quatro e-books com seis capítulos cada. Eles serão colocados à venda nos dias 23 e 30 de junho e 7 e 14 de julho.
— O folhetim é mais engessado, porque são 24 capítulos, cada um tem mais ou menos 3,3 mil toques. Eles precisam ser um pouco autossuficientes e ainda puxar o próximo. Isso cria algumas obrigações, mas foi divertido de fazer. Só o prazo apertado que foi um pouco tenso. É uma brincadeira em torno do tema do futebol e da literatura. O curioso é que eu não tinha a menor intenção de voltar o futebol como escritor, achava que após “O drible” não tinha mais nada para dizer.
Para Rodrigues, a experiência de ter escrito um romance sobre futebol ajudou por desmistificar o universo da bola.
— O futebol inspira uma certa reverência nos escritores, certo receio de tratar desse tema. É um assunto difícil mesmo, todo mundo acha que entende de futebol no Brasil. É um universo que intimida um pouco. Já ter passado por isso antes, numa narrativa maior e mais complexa, pode ter ajudado. O folhetim é uma espécie de prorrogação cujo resultado já está decidido. Não tinha muito a perder.
O escritor, que tem um blog no site da revista “Veja”, estava na estreia do Brasil na Copa do Mundo, no Itaquerão, na quinta-feira, contra a Croácia. Ele gostou do que viu, mas acredita que o time comandado por Luiz Felipe Scolari precisa evoluir se quiser ir longe no torneio.
— O time estava intranquilo, estreia é difícil mesmo. É aquela história, o importante foi o resultado, mas o time tem que melhorar. Já nas oitavas de final as coisas começam a complicar, espero que a gente melhore até lá. Sobre o pênalti que não foi, e é óbvio que não foi, é coisa do jogo. Não acredito em complô. A arbitragem é ruim mesmo — finaliza Rodrigues.
Leia trecho do primeiro capítulo do folhetim
“Estou na varanda da torre de um castelinho neogótico em Santa Teresa, nu como um bebê, e escrevo com uma esferográfica de ponta mordida em meu bloco apoiado na amurada, enquanto observo a claridade nascente do primeiro dia da Copa do Mundo de 2014 insinuar uns tons de ouro no espelho da Baía de Guanabara e sobre o casario castigado do centro do Rio. Não, não será aqui na velha cidade apadrinhada por São Sebastião, o mártir homoerótico crivado de flechas, que a competição começará: interesses políticos e econômicos decidiram levar a partida de abertura para São Paulo, megalópole incomparavelmente mais rica e mais sem graça, deixando para o cartão postal do Brasil o encerramento, a final, a apoteose — querem mais o quê, ô, vocês aí da praia?
Até alguns dias atrás isso me irritava, como me irritava a desorganização que cercou os preparativos da Copa, o show de incompetência, politicagem, corrupção e desprezo à palavra empenhada que é provavelmente a explicação para este dia nascer tão pouco elétrico: a cidade e o país zumbindo em voltagem baixa, todo mundo meio envergonhado, cabreiro, preferindo que a maior competição do futebol tivesse qualquer outra sede no planeta para que afinal se pudesse torcer em paz pelo time de camisa amarela, como sempre. Sonhar que podíamos ser os melhores do mundo outra vez. De alguma forma, é tarde demais: paira no ar a certeza não verbalizada de que o Brasil já perdeu a Copa, mesmo que venha a ganhá-la.”