RIO — As Dolores de Adiléa da Silva Rocha foram muitas — e, se pensar bem, demais até para os seus escassos 29 anos de vida. Duran, a durona, era também espirituosa, mestre das tiradas. Uma criatura solar e sombria, que sofria por amor, mas sabia dar o troco e a volta por cima. Mulher à frente do seu tempo. Intérprete das mais aparelhadas e compositora corajosa, que caminhou no rumo da modernidade, que foi da fossa à bossa. Nina Becker escolheu a sua Dolores, a que está menos para os clubes esfumaçados de Copacabana e os desatinos da paixão e do álcool que para o varandão do choro e o bel canto.
Musicalmente, “Minha Dolores” se inscreve na escola de busca da pureza perdida e embarca numa espécie de reinvenção de um passado que não necessariamente existiu. Formato mínimo, voz como instrumento, música preservada numa cápsula em condições de assepsia. Emocionalmente, esse é um disco contido. A vivacidade que Dolores imprimia a algumas de suas canções mais abusadas, como “Feiura não é nada” e “Estatuto de boite” é trocada pelo empenho em cantar como suas contemporâneas — um jeito um tanto pop, um tanto antigo. O clássico lado escuro de Dolores, o de “Solidão”, aqui soa camerístico, quase fado. Faz falta um pezinho na sarjeta do coração.
Cotação: bom