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Artistas ocupam prédio desabitado no centro histórico de São Paulo

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SÃO PAULO — Nesse sábado às 10 horas será derrubada a parede de tijolos e concreto que lacra a entrada do térreo de um prédio de 13 andares na Rua do Ouvidor, 63, no coração do centro histórico de São Paulo. A ação simbólica marca, junto com um festival de música, teatro e dança dia e noite adentro, a abertura oficial ao público da ocupação do edifício por um grupo de mais de 100 artistas vindos de quase todos os estados do Brasil. São em sua maioria multiartistas, com enfâse na produção musical e audiovisual. Muitos deles pertencem a coletivos tais como o Estúdio Lâmina, Andróides Andóginos, Teatro Geográfico, Rua Nua, Tanq_ Roza Choq_, Vodoo Hop, Cut Rock Club, Couch Surfing e à gravadora independente The Southern Crown.

Desde 1º de maio eles vivem e trabalham no local, desabitado há nove anos, quando foram expulsos de lá moradores ligados a movimentos sociais. A história dessa desocupação continua espalhada pelas paredes em escritos, cartazes, fotos e avisos e será deixada ali pelos novos ocupantes. Os artistas, que já contam com apoio e parceria de arquitetos e urbanistas, planejam restaurar o imóvel sem intervenções cosméticas, preservando sua história de ex-escritório da Secretaria estadual de Cultura, da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e de residência. Mas uma nova história começa a ser escrita nessas mesmas paredes. E todo o processo está sendo registrado para virar livro e documentário.

— É uma ocupação multiartística, porque todos que participam dela são artistas multiplataforma. Mas o lado romântico da cena musical de vanguarda está sendo muito sentido. Temos no prédio um porão, um local para abrigar festivais de música e teremos também um estúdio de um selo independente — conta Andy Marshal, um dos artistas participantes da ocupação.

Enquanto ainda limpam e retiram mais de três toneladas de entulho, os artistas já moram e produzem no local. Todo o dinheiro que investiram até agora veio de seus próprios bolsos. Receberam também algumas doações e contam com a consultoria gratuita de um advogado, enquanto esperam para saber qual será a reação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). O edifício seria cedido pela CDHU para a Universidade Estadual Paulista (Unesp), mas ela recusou a oferta no final do ano passado, alegando não ter recursos para reformá-lo.

Em menos de dez dias da ocupação, mais de uma centena de inscrições de projetos de outros artistas e coletivos interessados em viver ou trabalhar no local, batizado de Ouvidor 63, foram recebidos pelos atuais ocupantes. Diferentemente do que aconteceu nas ocupações da Bhering no Rio, e da Casa Amarela, também no centro de São Paulo, o projeto não tem só o objetivo de criar um centro cultural, com espaços expositivos e ateliês. O grupo considera fundamental ocupar alguns andares com residências artísticas, para que haja troca de conhecimentos, além de incentivar o surgimento de novos coletivos e revitalizar o entorno.

— A cena musical traz vida. Ao mesmo tempo, enquanto há a música, pessoas estão desenhando, dançando, encenando, escrevendo poesia. Queremos também oferecer capacitação aos interessados — explica o poeta Samir Raoni, conhecido como “orador dos sonhos”.

Em 1º de maio, a ocupação começou com um cortejo que saiu da sede do Estúdio Lâmina, na Avenida São João, rumo à Ouvidor 63, lembra Luciano CortaRuas, curador do Lâmina. Com cartazes e música, os artistas arrombaram um portão de ferro enquanto eram observados por policiais militares.

— Um passante chegou a perguntar a um PM se ele não ia fazer nada. O oficial respondeu: “mas eles são tão bonitos...” — conta CortaRuas, mostrando o terraço da Ouvidor 63, de onde avista-se “o mainstream”, prédio no qual uma marca de energético patrocina residências artísticas e, ao fundo, a sede da Secretaria Estadual de Segurança Pública.

Inspiração nos modernistas

O plano de ocupação foi consolidado durante um work in progress realizado pelo coletivo Androides Andróginos no Estúdio Lâmina, conta a fotógrafa Marina Bitten, do coletivo Rua Nua. Mas a gênese da ideia aconteceu no Edifício Planalto, na Rua Maria Paula, onde vivem alguns artistas. Da sacada, com uma das melhores vistas de São Paulo, eles observavam o edifício lacrado, desabitado e degradado. Viram de lá outra ocupação, liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

Começaram então a imaginar ocupar o local para transformá-lo numa usina de produção de arte de vanguarda. Agora, veem do terraço da Rua do Ouvidor 63 o Teatro Municipal. Lembram da Semana de Arte Moderna de 1922, de como artistas como Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Heitor Villa-Lobos e Tarsila do Amaral foram considerados pelos críticos de arte da época invasores num templo da cultura erudita. Seguindo o exemplo dos modernistas, lançarão em 31 de maio um manifesto.

— O texto trará 21 proposições. A crise da Humanidade está na percepção. Acreditamos na arte como forma de re-encantamento do mundo, como sonho, tirando do artista a ideia de ser iluminado e o colocando como um ser gerador de transformação cotidiana, na qual consegue fazer outras pessoas resgatarem seus sonhos — explica Raoni, citando o escritor uruguaio Eduardo Galeano para explicar seu sonho: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

Procuradas pelo GLOBO, as secretarias estadual e municipal de Cultura disseram que por ora não se posicionariam sobre a ocupação. Já a secretaria estadual da Habitação informou que a destinação do prédio está em estudo desde a recusa da Unesp.


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